Práticas de cultivo sustentável e mensuração precisa da pegada de carbono podem reposicionar o país no cenário internacional
O Brasil reúne condições para assumir protagonismo global na transição para uma agricultura regenerativa e de baixo carbono, ampliando sua presença em mercados que exigem rastreabilidade e sustentabilidade. A avaliação foi apresentada durante a RTRS International Conference 2025, realizada em São Paulo, e aponta que o país pode fortalecer sua imagem internacional ao adotar metodologias de mensuração adequadas à realidade tropical e ao investir em práticas produtivas que reduzem emissões.
Potencial brasileiro e obstáculos
Apesar das vantagens competitivas, ainda existem desafios, como metodologias internacionais que não refletem a diversidade de biomas brasileiros e a percepção equivocada que associa a produção nacional ao desmatamento. Especialistas destacam que a soja cultivada com práticas de baixa emissão pode se tornar uma das maiores oportunidades para o reposicionamento do país no mercado global.
“A pegada de carbono é, na prática, um recorte do ciclo de vida dos produtos que mede suas emissões de gases de efeito estufa. Porém, os números atribuídos à soja brasileira muitas vezes não correspondem à realidade. Estamos falando de um país continental, com seis biomas e sistemas de produção muito diferentes entre si. Usar médias para estimar nossas emissões não é tecnicamente correto, e distorce a percepção internacional”, explicou Patricia Sugui, Head de ESG e Comunicação Corporativa da CJ Selecta.
Resultados práticos
Um estudo aprofundado mostrou que a soja brasileira de baixa emissão pode apresentar índices muito inferiores aos usualmente apontados em bases de dados internacionais. A análise, que utilizou dados primários de fazendas fornecedoras e imagens de satélite, apurou que o concentrado proteico de soja (SPC) não transgênico apresentou 0,617 toneladas de CO₂ equivalente por tonelada de produto, contra uma média internacional atribuída entre 4 e 6 toneladas.
Segundo Patricia, o fator mais crítico no inventário é a mudança no uso da terra, que pode representar até 80% da pegada de carbono de um produto agrícola. Ao assegurar o não desmatamento nas áreas fornecedoras, a redução foi significativa, com apoio de produtores certificados, uso de energia renovável e logística regionalizada.
Desafios e oportunidades
Apesar dos custos elevados com monitoramento, reporte e verificação (MRV), especialistas avaliam que esse esforço pode se tornar um diferencial competitivo para o país. “Hoje, o mercado ainda não remunera amplamente os produtores por carbono evitado, mas já reconhece e prioriza produtos de baixa emissão. Estamos diante de uma janela estratégica para o Brasil se reposicionar no cenário internacional como referência em agricultura regenerativa e descarbonização da produção de alimentos”, afirmou Patricia.
Ela defendeu ainda a criação de um mercado estruturado de carbono no Brasil, mecanismos de incentivo financeiro e a adoção de soluções digitais para facilitar a coleta de dados no campo.
Construção de uma nova narrativa
Para especialistas, é essencial rever a imagem internacional da soja brasileira. “Precisamos fortalecer uma nova narrativa sobre a soja brasileira. Existe uma agricultura regenerativa sendo praticada no país, com capacidade de alimentar o mundo sem agredir o meio ambiente. Mas para isso, é fundamental que os modelos de mensuração reflitam nossa realidade e que os mercados reconheçam esse valor”, reforçou Patricia.

