
Imagine uma startup que desenvolve um aplicativo para facilitar o acesso a consultas psicológicas em comunidades de baixa renda.
A ideia parece genial: aliar tecnologia, bem-estar e inclusão. Mas, depois de meses de desenvolvimento e recursos investidos, a solução tem baixa adesão. Ao investigar mais a fundo, descobre-se que o real problema para aquelas pessoas não era o acesso à plataforma, mas sim a falta de tempo, privacidade ou mesmo ausência de cultura de busca por apoio psicológico.
O erro? Um problema mal definido.
Esse exemplo ilustra uma dificuldade recorrente tanto em negócios de impacto socioambiental quanto na criação de modelos de negócios em geral: não compreender com profundidade o problema que se busca resolver.
Essa é a base do que chamamos de problem-solution fit (encaixe entre problema e solução) — e também onde muitos empreendimentos falham.
O que é problem-solution fit?
No universo das startups, muito se fala sobre alcançar o product–market fit — o momento em que um produto encontra aceitação no mercado, com uma proposta de valor clara, potencial demanda e crescimento sustentável. No entanto, esse estágio só é possível quando algo mais fundamental acontece antes: o problem–solution fit.
Trata-se da etapa em que o empreendedor compreende com profundidade um problema real vivido por um público específico e desenvolve uma solução que, de fato, responde a essa dor de maneira eficaz e relevante.
Sem esse encaixe entre problema e solução, qualquer tentativa de entrar no mercado estará construída sobre bases frágeis.
Negócios de impacto, por sua natureza, lidam com problemas complexos: pobreza, educação de baixa qualidade, acesso precário a serviços básicos e exclusão social. No Design Thinking, esses desafios são chamados de wicked problems (“problemas perversos”), pois têm causas interligadas, mudam com o tempo e não têm uma solução única ou definitiva.
O resultado? Uma enorme dificuldade em definir o problema de forma precisa, o que leva a soluções que, apesar de tecnicamente sofisticadas, são socialmente irrelevantes e desconectadas da realidade.
O ponto cego dos empreendedores
Como professor, consultor e mentor, tenho observado um padrão comum: empreendedores empolgados com uma ideia começam a construir soluções antes de validar se aquele problema realmente existe, se é relevante e se é vivido da forma como imaginam.
Isso leva a uma formulação inadequada do ponto de vista do problema (POV, do inglês Point–of-view), que é uma declaração clara que identifica quem enfrenta o problema, qual é sua necessidade específica e por que isso é importante.
Como resultado, surgem perguntas orientadoras do tipo “como poderíamos” (HMW – how might we), que são formuladas para transformar problemas bem definidos em oportunidades de solução criativa.
No entanto, quando mal elaboradas, essas perguntas acabam sendo vagas, genéricas ou distanciadas da realidade concreta. São esses questionamentos que impulsionam a geração de ideias com foco e empatia — dois pilares fundamentais da inovação centrada no ser humano.
Em minha experiência, é muito comum que os empreendedores não façam a devida “lição de casa”. Muitos negligenciam ou aplicam de forma insuficiente a fase da empatia no processo de design thinking.
Por suposta falta de tempo ou por excesso de confiança na ideia, deixam de realizar entrevistas com diferentes stakeholders envolvidos, não fazem observações de campo nem vivenciam a realidade dos públicos com os quais desejam atuar.
Em vez disso, baseiam suas decisões em dados secundários ou percepções pessoais, que muitas vezes não captam as dores reais a partir do ponto de vista dos próprios envolvidos.
Vamos a um exemplo real: um grupo desenvolveu um sistema para purificação de água com base em nanotecnologia, voltado a comunidades ribeirinhas. O sistema funcionava perfeitamente. Porém, ao chegar nas comunidades, perceberam que o problema não era a purificação, mas o transporte da água. Havia fontes de água limpa, mas o acesso era remoto. A solução não encaixava.
A literatura confirma
Pesquisas recentes mostram que uma das principais causas de fracasso em negócios de impacto é a definição inadequada do problema.
Estudos de autores como Jeanne Liedtka (University of Virginia) revelam que a fase de “definição” no design thinking é uma das mais negligenciadas — e também uma das mais críticas.
E isso não vale apenas para negócios de impacto: Liedtka identificou esse padrão em diversos contextos, desde grandes corporações até organizações sociais, mostrando que a dificuldade em definir claramente o problema é um desafio universal para quem busca inovar com base nas necessidades reais das pessoas.
A abordagem de design centrado no humano (Human-Centered Design) enfatiza a empatia como ponto de partida. Contudo, é comum que empreendedores confundam escutar com entrevistar.
Como evitar armadilhas na definição do problema?
- Investigue antes de construir
A pressa é inimiga da relevância. Antes de desenhar qualquer solução, faça entrevistas em profundidade, vivencie a realidade do público, colete dados qualitativos e quantitativos. Pergunte: esse problema é vivido por muitas pessoas? Com que intensidade? Com que frequência?
2. Redefina o problema mais de uma vez
Use a técnica do “reframe“: escreva o problema de diferentes formas. Teste com pessoas da comunidade. O problema está bem delimitado? Evite frases amplas como “queremos melhorar a educação”. Foque: “crianças de 6 a 9 anos em comunidades rurais têm dificuldades em alfabetização por falta de acesso a livros e apoio pedagógico em casa”.
3. Formule HMWs consistentes
Bons “how might we” surgem de bons POVs.
Eles devem convidar à ideação criativa, mas manter-se conectados ao problema real. Um HMW como “Como podemos transformar a educação no Brasil?” é inspirador, mas inexequível. Já “Como podemos apoiar mães de crianças de 6 a 9 anos a promoverem a alfabetização em casa com baixo custo e alto engajamento?” é mais promissor.
4. Mensure e aprenda continuamente
Depois da solução, volte ao problema. Ele está sendo realmente resolvido? O que mudou? Negócios de impacto precisam de um ciclo constante de escuta, mensuração e iteração.
O impacto de um problema bem definido
Negócios que acertam na definição do problema colhem benefícios em vários níveis:
- Engajamento comunitário: as pessoas se reconhecem na proposta.
- Inovação relevante: ideias que nascem de dores reais têm mais chances de criar mudanças significativas.
- Sustentabilidade do negócio: investidores e parceiros se sentem mais seguros ao perceber que a solução tem base concreta.
Um exemplo positivo é a Vivenda, uma startup de reforma habitacional para famílias de baixa renda.
O caso é particularmente revelador porque, antes de definir sua proposta de valor, os empreendedores conviveram com os moradores, ouviram suas histórias, observaram o dia a dia e buscaram compreender o que realmente dificultava o acesso a moradias seguras.
Conforme relatado por pesquisadores da UFMG, essa escuta ativa revelou que o problema principal não estava na falta de materiais ou mão de obra, mas em fatores como o medo de serem enganados, a dificuldade em tomar decisões sobre as reformas e, sobretudo, a ausência de crédito acessível e confiável.
A partir desse entendimento, a empresa estruturou uma solução que integrava microcrédito, suporte técnico e garantia de entrega. O resultado? Crescimento com impacto real.
Definir bem o problema é metade da solução para inovar com impacto real.
Como dizia Albert Einstein, “Se eu tivesse uma hora para resolver um problema e minha vida dependesse da solução, eu gastaria 55 minutos pensando no problema e apenas 5 minutos pensando na solução.”
Essa sabedoria nos lembra que entender profundamente a realidade que queremos transformar é o passo mais importante para qualquer negócio de impacto. Não se apaixone pela ideia. Apaixone-se pela dor que ela resolve. Para isso, seja humilde, escute com atenção e co-crie com quem vive o problema na pele.
Em um mundo saturado de soluções prontas, ouvir e compreender pode ser o ato mais inovador de todos.

Com mais de 30 anos de experiência nos ambientes corporativo e acadêmico, Paulo Izumi é um consultor especializado em facilitar a inovação e orientar gestores e empreendedores, utilizando abordagens integradas de inovação e design de negócios. Graduado em Publicidade e Marketing, mestre em Administração e doutor em Negócios Internacionais e Inovação, Paulo combina conhecimento teórico com uma prática diversificada. Seu trabalho abrange criatividade e inovação, design thinking, lean startup, design de serviços, marketing e prototipagem de negócios, além de lecionar e orientar projetos em cursos de graduação e pós-graduação na FATEC, ESPM, ESEG e MBA USP ESALQ.
