Querido(a) leitor(a), infelizmente a “crise tarifária Brasil-EUA” tornou o cenário político e econômico, interno e externo, ainda mais incerto.

Dentre inúmeros temas polêmicos relacionados ao assunto, dois se destacam: (1) insistência do Brasil na defesa da implementação da moeda única do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, hoje integrando Irã, Egito e Etiópia) e (2) ingerências do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro envolvendo a atuação das big techs americanas.

Desnecessariamente, as tensões entre Brasil e EUA se intensificaram desde o final de 2024. Durante a campanha eleitoral norte-americana o Presidente Lula, favorável à candidata do Partido Democrata americano, Kamala D. Harris, sugeriu que a vitória de Trump significaria “volta do fascismo e do nazismo, com outra face” (sic). Assim como Lula, 39º. a assumir a presidência do Brasil em 2023, Trump foi reeleito democraticamente como o 47º. presidente americano, assumindo em 2024.

Brasil e EUA são Estados soberanos e, como tal, exercem controle pleno e independente em seus assuntos internos. O governo americano tem adotado uma postura de não adoção de práticas multilaterais em suas políticas externas. Objetivamente, o objetivo da majoração de tarifas comerciais é fortalecer o crescimento de sua produção e mercado de trabalho internos …

Considerando o contexto econômico, o Brasil já possui inúmeros desafios internos entre esses: imperativa necessidade de busca de equilíbrio do orçamento público por meio da adoção de medidas que conduzam a redução de gastos do setor público, carga tributária, inflação, taxas de juros e, como consequência, a necessária busca de aumento nas taxas de investimento produtivos (internos e externos), emprego e renda nacionais. Boa parte dos artigos publicados nessa coluna abordaram tais temas.

Muitos políticos, analistas políticos, jornalistas e cientistas sociais salientaram “é hora de Lula descer do palanque”. No plano geopolítico, Lula 3 tem atuado de maneira errática e inadvertida no “enfrentamento” de assuntos externos; em particular, no que tange a guerra entre Rússia e Ucrânia e quanto as medidas adotadas por Israel ante as ações terroristas realizadas pelo Hamas. Importante lembrar que Lula afirma que Israel “pratica genocídio” (sic), parecendo não compreender que as ações militares aplicadas por esse país foram resposta aos atos perpetrados pelo Hamas e não pelo conjunto dos cidadãos Palestinos.

Várias declarações de nosso o atual presidente foram sofríveis. Cito apenas um exemplo: no caso da Ucrania, Lula afirmou que “essa guerra, por tudo que eu compreendo, leio e escuto seria resolvida aqui no Brasil numa mesa tomando cerveja”. Nosso atual governo tem se alinhado com o Irã e com líderes latino-americanos tidos como “progressistas” e defendido, inclusive, a criação de moeda junto ao BRICS e a “regulamentação das redes sociais”.

Não bastasse isso, em meio ao acirramento da polarização política, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem jogado “gasolina no incêndio” por meio ao “inquérito do fim do mundo” (referência ao inquérito instaurado por esse órgão para investigar o que consideram “notícias falsas, ameaças, calúnias e injúrias contra integrantes da nossa Suprema Corte”). O fato é que o STF, muitas vezes por meio de medidas monocráticas e questionáveis, tem gerado tensões desnecessárias.

O “bate cabeça” do atual governo e do STF é tão grande que no espaço dessa coluna vou focar em apenas dois dos inúmeros assuntos relacionados a crise tarifária Brasil-EUA.

1. Proposta de implementação da moeda do BRICS

Após a Segunda Guerra Mundial (WW2), o dólar americano foi estabelecido e mantido como moeda de referência no comércio e finanças globais, fato que se deve a confiança e tamanho dessa economia. Além disso, por décadas tarifas comerciais são utilizadas, pelos EUA como ferramentas de regulação econômica, mas também como instrumento de sanções externas com finalidades geopolíticas.

O uso de tarifas comerciais como instrumento de sanções externas tem sido uma estratégia recorrente da política econômica e diplomática dos Estados Unidos. Ao impor tarifas sobre produtos importados de determinados países, o governo americano busca pressionar adversários geopolíticos na correção de práticas comerciais consideradas desleais e ou reforçar o alcance de interesses estratégicos americanos e de seus aliados.

O fato é que as medidas foram postas e cabe ao governo brasileiro buscar alternativas. Muitos países, entre esses Japão, Reino unido e até a Argentina, já contornaram o desafio negociando diretamente com o governo norte americano.

É possível argumentar que a implantação de uma moeda comum pelos BRICS não deveria ser criada em função dos pontos destacados a seguir.

(a) Heterogeneidade econômica e política dos membros: Os países que formam o BRICS possuem sistemas econômicos, níveis de desenvolvimento, regimes políticos e prioridades econômicas distintos. A China é uma economia exportadora plenamente integrada às cadeias globais de produção. Já o Brasil e a África do Sul dependem de commodities, enquanto a Índia tem características de economia fechada em vários setores. Já a Rússia enfrenta sanções severas por parte dos americanos. Tal diversidade torna extremamente difícil coordenar uma política monetária baseada em uma moeda comum.

(b) Falta de integração financeira dos países do bloco: Ao contrário da Zona do Euro, os países do BRICS ainda não possuem um mercado financeiro integrado, nem um sistema bancário harmonizado; ou seja, baseado em regras, normas e práticas bancárias comuns. A ausência de instituições supranacionais fortes, como existência de Banco Central comum ou regras fiscais (gastos e tributação) coordenadas comprometeria a viabilidade operacional de manutenção de uma moeda única.

(c) Instabilidade e riscos de flutuações cambiais: As moedas nacionais dos BRICS, com exceção do yuan chinês, são frequentemente consideradas voláteis, ou seja, sujeitas a crises cambiais. A criação de uma nova moeda exigiria reserva internacional expressiva por parte dos membros do bloco, maior nível de confiança e estabilidade macroeconômica. Nem todos os países do bloco conseguem garantir isso. O caso emblemático é o do Brasil que apresenta uma dívida pública explosiva, inflação e juros elevados e baixas taxas de crescimento.

(d) Temor quanto à atuação da China: Sendo a maior economia do BRICS e com maior fluxo de comércio externo, a China tenderia a ter mais peso nas decisões estratégicas fazendo com que a economia de outros membros, entre esses Brasil e Índia, fiquem dependentes de projetos que atendam mais aos interesses chineses do que aos dos demais membros do grupo.

2. Ingerências do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro envolvendo as big techs

As principais críticas da justiça americana e de setores políticos e jurídicos dos EUA ao judiciário brasileiro, especialmente no que se refere à atuação sobre as big techs, dizem respeito a questões relacionadas à necessidade de defesa da liberdade de expressão, segurança jurídica e limites institucionais do STF. Em relação a esse tema, abaixo são sumarizados alguns dos principais pontos de divergência.

(a) Censura e ameaças à liberdade de expressão: Parlamentares e juristas norte-americanos, especialmente ligados ao Partido Republicano, têm acusado o STF, particularmente o ministro Alexandre de Moraes, de censura uma vez que esse tem adotado medidas exigindo a remoção de conteúdos e bloqueio de perfis nas redes sociais, inclusive de cidadãos americanos. A crítica central é de que o judiciário brasileiro, por meio do STF, estaria suprimindo o direito à livre expressão previsto na 1ª. emenda da Constituição norte americana que garante 5 liberdades fundamentais. A crítica à prática de censura prévia também é feita por diversos segmentos da sociedade brasileira, baseado no Art. 5o. da Constituição brasileira, entre outras normas legais.

(b) Falta de transparência e respeito ao devido processo legal: Certas decisões do Judiciário brasileiro tem sido monocráticas (decididas por um único ministro), sem publicidade dos autos dos processos, sem direito pleno de defesa, e com baixa ou ausência de transparência quanto aos critérios para bloqueio de contas e ou de conteúdos. Isso é visto nos EUA como incompatível com padrões de estado de direito e segurança jurídica interna e internacional.

(c) Desrespeito ao alcance territorial da legislação nacional e impactos sobre usuários das redes: As decisões brasileiras, especialmente quando atingem plataformas globais ou contas de estrangeiros, são vistas como uma tentativa de aplicar a jurisdição brasileira além de suas fronteiras, fato que gera preocupação quanto à soberania digital e conflitos de legislação entre diferentes nações.

(d) Indevidas pressões quanto a atuação das big techs: O judiciário brasileiro tem sido acusado de tentar coagir as big techs a cumprir ordens sob ameaça de multas elevadas e até bloqueios completos de funcionamento no Brasil. Segundo lideranças americanas, isso pode ser caracterizado como ato de intimidação. O temor é que as big techs sejam levadas a atuar como agentes de censura, em detrimento de princípios como a neutralidade da rede. As big techs devem responder legalmente e de forma indiscriminada pelos conteúdos postados pelos seus usuários?

(e) Preocupação com o precedente na esfera de aplicação do direito: Alguns congressistas americanos argumentam que as ações do STF brasileiro poderiam servir de precedente para governos autoritários que poderiam, a pretexto de “combate à desinformação”, reprimir adversários políticos ou ideológicos como meio “controlar o discurso e influenciar indevidamente as preferências políticas de eleitores.

É leitor(a), no que diz respeito ao tema novos fatos políticos e econômicos acontecem a cada instante e creio que dois aspectos devem estar no nosso radar no momento em que avaliarmos as motivações e impactos da crise tarifária Brasil-EUA:

(1) Insistência do Brasil no projeto de criação da moeda do BRICS.

(2) Forma de judicialização do sagrado direito à liberdade de expressão envolvendo a atuação das big techs.

Haja “jabuticabas para comermos” …

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