Numa semana tensa e histórica para a política e a democracia brasileira, cabe perceber a comoção contra ou a favor do destino dos réus do processo no STF, com emoções similares às experimentadas por fanáticos torcedores de futebol na arquibancada, defendendo seus brasões e bandeiras. Esse sentimento apaixonadamente aflorado revela aparentes posicionamentos de esquerda-direita, mas gerados em contexto de apropriação de narrativas elaboradamente produzidas e vendidas nas mídias sociais, potencializando a polarização de “preferências”, mas empobrecendo sobremaneira o debate e a maturidade da discussão política.

Quando pergunto a conhecidos qual a diferença entre direita e esquerda, por exemplo, escuto um monte de bobagens que nada tem a ver com os conceitos ideológicos – também parece que perdemos completamente a noção do que a democracia representa e quão importante é a sua defesa a todo custo, como pilar de construção de uma nação madura e livre.

Para entender um mínimo de contexto político, vamos exercitar didaticamente conceitos básicos que se apresentam sempre distorcidos nas narrativas ideologicamente pasteurizadas que nos impingem! Um primeiro eixo a observarmos é o que representa uma ideologia de direita ou de esquerda: governos de direita defender o capital privado, a livre iniciativa, consideram a desigualdade social consequência da competição capitalista, geralmente defendem causas conservadoras (família, patrimônio, segurança), e focam desenvolvimento econômico em detrimento de investimentos sociais estruturantes como programas de transferência de renda e políticas inclusivas. Geralmente olham áreas de cultura, ação social e educação de uma forma mais tecnicista, ao contrário dos governos progressistas que compreendem a importância de combate às desigualdades sociais, o desenvolvimento da cidadania e participação popular na construção de políticas públicas – trata-se a grosso modo da contraposição do capital versus coletividade.

Cruzando com outro eixo dimensionando do que é ditadura e o que é democracia – as ditaduras (de direita ou esquerda) se caracterizam por desrespeito aos direitos individuais, estados policialescos (KGB russa, PIDE portuguesa, DOPS brasileiro), controle ou perseguição da imprensa, ONGs e toda forma de militância (considerados “terroristas”, “inimigos do Estado”), e todas formas de ação coletiva públicas ou privadas são enfraquecidas, inclusive com aparelhamento do poder legislativo e do judiciário, que passam a somente chancelar as autocráticas decisões dos dirigentes, para dar “aparência” de Estado democrático. Não raro as ditaduras se valem de regimes de exceção – fechamento de congresso, estado de sítio, tortura e perseguição de adversários, etc.

Na democracia, por outro lado, se respeitam profundamente os marcos regulatórios, a liberdade de expressão, a transparência da coisa pública, existe ambiente seguro para a livre participação da sociedade, inclusive na discussão de direitos e políticas públicas; embora tradicionalmente tido como um sistema “imperfeito”, garante o direito de manifestação de todas correntes político-ideológicas, liberdade religiosa, de imprensa, independência dos três poderes e eleições livres – a democracia se constrói de baixo para cima, enquanto a ditadura nos pisoteia com suas passadas…

Continuando nossa pedagógica jornada de educação política, vamos falar de probidade e improbidade administrativa (leia-se corrupção) e competência ou incompetência técnica em gestão pública, o que define capacidade de executar programas, projetos e políticas públicas consistentes gerando resultados e legados à população.

Aqui, mais uma vez, importante entender que competência e honestidade não são virtudes próprias de direita ou esquerda – quando os ecossistemas políticos favorecem a corrupção, nascem e procriam corruptos e corruptores, alimentando a cadeia de privilégios e a manutenção do poder e influência. A corrupção se apresenta em todos países do mundo, democráticos ou não, independente da ideologia política que os governa… os recentes protestos no Nepal dão a dimensão da insuportável desigualdade social e desesperança – mas não vamos nos iludir que os recuos do governo nepalês para acalmar a massa de jovens militantes não significam que não haverá uma provavelmente violente repressão nos próximos meses, algo que já assistimos na “primavera árabe há alguns anos… o Estado possui o monopólio da violência, e as ditaduras o praticam sem nenhum pudor!

No campo da gestão pública, apesar de tudo dito, ditaduras ou democracias de esquerda ou direita, corruptas ou não, podem realizar bons governos, com políticas públicas e investimentos que alavanquem a economia, gerem qualidade de vida e bem estar social… só não podemos cair na esparrela do “rouba mas faz”, justificando a corrupção ou repressão como um “mal necessário” para se chegar a um “bem maior” – 1% de propina é 100% de crime e desonestidade com o patrimônio público e a sociedade brasileira!

Temos aí os elementos para não cair na tentação das narrativas falaciosas que procuram empacotar todas as desgraças do mundo numa única sigla política, como se os partidos fossem repositórios de todas as virtudes ou maldades do mundo; quem acredita de verdade que eliminando um partido político vamos resolver todos problemas de corrupção, incompetência, respeito à democracia, são as mesmas pessoas que colocam seus molares embaixo do travesseiro, para a Fada do Dente trazer suas moedinhas de ouro. Maturidade política se faz com diálogo, percepção, maturidade e participação madura seus cidadãos. O resto é um conto de fadas, que nos aliena e nos lança em ensandecidas cruzadas dogmáticas, com carimbos que estamparam nas nossas testas.

Quando vamos berrar na rua como alucinados defendendo supostos líderes políticos (geralmente sem compreender suas ideias e ideologias), fazemos algo similar aos fanáticos torcedores de futebol que promovem barbáries, depredações, ameaças, agressões e até assassinatos quando seus times perdem! São criminosos e vândalos, e não torcedores. Assim como não podemos falar em patriotismo e democracia desrespeitando as instituições e as leis… continua sendo crime! Só vamos ter uma democracia de verdade quando aprendermos que discussão política é um debate de ideias, e nada tem a ver com torcida organizada ou crenças messiânicas. A discussão de “bem vs mal (ou vilão x herói)” não cabe numa sociedade que amadurece porque precisa lidar com o imperfeito, o impreciso, o diverso e ainda assim fazer com que as coisas aconteçam da melhor forma para todas as pessoas.  O oposto disso é caminhar na beira de um precipício, acreditando que se cairmos alguém virá nos salvar… nem Deus tem paciência para isso!

Vamos aprender e praticar a educação política, percebendo o valor da democracia, das orientações ideológicas e suas consequências, do reconhecimento de competência na gestão pública e capacidade de articulação política, e que a corrupção precisa ser combatida em todos níveis de governo e da sociedade; com uma participação política mais consciente, menos apaixonada, reduzimos o risco de defender crápulas como se fossem santos, pois nascemos para algo melhor que ser papagaios de Fake News. Vamos ser cidadãos conscientes e participar da construção de um grande Brasil! Eu acredito!   

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