Empreendedor(a), certamente seus negócios já sofreram devido à escassez de oferta de mão de obra qualificada.
Embora a abrangência regional seja difusa, algumas iniciativas ganham relevo e devem estar no seu radar. Nesse artigo, apresento a relação entre o desempenho econômico, formação de mão de obra e três projetos orientados à formação profissional de jovens e adultos: Qualificação Básica e Formação Continuada (QBFic), projeto Sistema de Ensino Social Profissionalizante (Siesp) e Projov mantidos, respectivamente, pelo Centro Paula Souza (CPS), Instituo Siesp e Rotary Club.
Embora os indicadores econômicos tenham obtido sensível recuperação pós-pandemia, ainda sofremos as piores patologias macroeconômicas: baixas taxas de crescimento do produto e da renda das famílias, elevados níveis de desemprego e de inflação e pior, baixa taxa de investimento produtivo.
Dentre outros fatores, inclusive os relacionados a contradição na condução da Política Fiscal (aumento dos gastos do setor público e arrecadação tributária) e Política Monetária (relacionada à necessidade de elevação na taxa de juros para contenção da inflação), isso se correlaciona à qualidade de formação e oferta de mão de obra qualificada.

Não há como tratar tecnicamente no curto espaço dessa coluna, mas a condução das políticas fiscal e monetária deveriam estar em consonância, fato que não vem ocorrendo. Aumento de gastos e carga tributária associada a um baixo crescimento da renda das famílias, conjugada com a elevada inflação, resultam em uma política monetária restritiva. Essa se traduziu no aumento das taxas básica de juros (hoje a Selic é 14,75% a.a.), mesmo após o ingresso de Gabriel Galípolo, atual presidente do Banco Central, indicado pelo atual governo.
Elevadas taxas de juros inibem o consumo das famílias e investimento produtivo, destacando que: a elevação nas taxas de investimento poderia gerar aumentos no emprego e na renda agora e futura. Há uma enorme transferência da renda gerada pelo setor produtivo para o governo.
A produtividade do trabalho no Brasil sempre foi muito baixa, prejudicando o crescimento do emprego e renda das famílias. Agravando esse quadro, em diversas atividades econômicas ocorre um excesso de demanda e escassez oferta de mão de obra qualificada. Em inúmeras atividades econômicas, desde atividades vinculadas a tecnologia de informação e comunicação (TIC’s) e, mesmo no setor de construção civil (atividade intensiva em emprego de mão de obra), ocorre escassez de pessoal qualificado. O problema é grave e toda a sociedade perde.

Devido a pandemia alguns fenômenos ocorreram. Por exemplo, o garçom que perdeu emprego passou a contar com programas de “benefícios sociais”, comprou uma moto e passou a prestar “serviços de delivery”. O fato é que muitos desses não retornarão a trabalhar com vínculo formal restaurantes; afinal, por que perder “meu benefício”?.
Em meio a difusão dos “negócios baseados em TIC’s”, muitos jovens buscam abrir seu próprio negócio Há pessoas em idade economicamente ativa que, devido a renda que recebem de auxílios de programas sociais, não “querem sair” da informalidade; afinal, se recebem “benefícios” e podem trabalhar informalmente, “fazendo bicos”, não são “estimuladas” ao vínculo formal de trabalho nas empresas e seguirão “ganhando a vida”. O resultado é a contração da oferta de mão se obra.
Destaco como a economia funciona. O ideal seria que tais programas, desde sua formulação, exigissem a participação dos beneficiários em programas de formação profissional e que houvesse um critério de tempo quanto ao acesso a esses “incentivos”.
Não resta dúvidas quanto necessidade de fortalecimento do sistema de ensino e sua relação desenvolvimento do mercado de trabalho e melhora nos índices de atividade econômica. Devido a experiência que possuo em ensino e pesquisa, constato que houve um erro em promover o financiamento para a oferta em massa de vagas nos cursos de ensino superior, não conjugada com a melhora na qualidade do ensino fundamental e médio.

Afirmo isso porque há duas restrições: grande parte dos egressos do ensino médio não obtiveram formação de qualidade nas disciplinas mais básicas: português e matemática. Muito antes da pandemia, tive alunos do oitavo semestre em turmas de Graduação em Ciências Econômicas que encontravam dificuldades em realizar operações matemáticas básicas.
O fracasso do sistema ensino brasileiro é atestado pelo desempenho do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Entre os 58 países avaliados em 2024, ocupamos a 55ª posição, à frente apenas de três países: Marrocos, Kuwait e África do Sul. Somos a 10ª. economia mundial e destinamos cerca de 5% do PIB ao ano para o financiamento da educação, sem considerar outros incentivos, aportes de “bolsas” e outros “subsídios”. Não precisa ser especialista para constatar que algo está errado.
A evasão escolar, pós-pandemia, amplificou a crise no sistema de ensino superior. Muitos jovens abandonaram o ensino médio e, devido a queda da renda das famílias, a demanda por formação superior declinou. Triste dizer que, mesmo que haja boa formação nesse, os egressos do ensino superior não encontrarão vagas no mercado de trabalho.

A economia brasileira cresce pouco e não há como absorver novos engenheiros, administradores, contadores e mesmo economistas. Segundo o atual presidente “filha da empregada doméstica tem direito à universidade, assim como a filha da patroa”. Não há como discordar; mas a formação de qualidade no ensino superior depende da boa formação e capacitação dos docentes e dos alunos que ingressam no ensino superior. Instituições de Ensino Superior (IES) de qualidade dependem de três variáveis: capacidade de investimento dessas, qualidade da formação dos docentes e dos alunos que nessas ingressam. É raro observar essa combinação.
Baixa qualidade na formação básica e média, evasão escolar, dificuldades na formação superior, falta de critérios nos programas sociais e, principalmente, a precariedade e falta de crescimento no mercado de trabalho levam os indivíduos a “trabalhar no Uber”, abrirem negócios informais e ou abandonarem o mercado de trabalho formal. Houve a queda na oferta de mão de obra e parte do contingente que faz parte dessa possui formação precária.
Ante esse contexto, apresento projetos que visam fortalecer a capacitação de jovens e adultos.

A Unidade de Formação Inicial e Educação Continuada (Ufiec), vinculada ao Centro Paula Souza (CPS), oferta cursos de qualificação profissional para pessoas em situação de vulnerabilidade, desempregadas e com escolaridade básica incompleta. A coordenadoria da Ufiec é organizada em grupos de trabalho orientados à programas de qualificação básica junto as Escolas Técnicas Estaduais (Etecs).
Dentre outras formações, são oferecidos cursos de curta duração em informática para jovens e adultos conveniados às Etecs. Tal atuação ocorre por meio de contratos e parcerias com o governo federal, secretarias estaduais, setores produtivos, prefeituras e outras entidades. O objetivo fomentar a (re)inserção no mercado de trabalho e o empreendedorismo.
No contexto, destaca-se oPrograma Operação Trabalho (POT). Esse programa prioriza o trabalhador desempregado, residente no município de São Paulo pertencente a famílias de baixa renda, visando estimulá-lo na busca de reinserção no mercado de trabalho. As pessoas atendidas pelo POT, além de receber formação profissional e certificação em áreas como estoquista e almoxarife, informática, gestão, costura, entre outras, recebem auxílio de um salário-mínimo, R$1.518. Entre outras normas, a permanência no POT, que dura 2 anos e está vinculada a frequência nas aulas, não podem ter mais de três faltas, uso de uniforme sendo monitorados por psicólogos e profissionais de assistência social.
Outra iniciativa é realizada pelo Instituto SIESP (Sistema de Ensino Social Profissionalizante). Esse projeto visa prover o acesso ao ensino profissionalizante com foco em alunos da rede pública matriculados no ensino fundamentais e médio. O modelo envolve a divulgação das formações profissionalizantes ofertadas (inglês, informática, gestão administrativa, marketing digital, dentre outros) junto a rede pública de ensino, contratação e atuação de professores com formação superior e experiência no mercado e o estabelecimento de parcerias com universidades privadas. Os alunos são atendidos dentro de universidades ou centros universitários aos sábados, os cursos são modulares, com oferta de apostilas de acordo com a formação e módulo. O diferencial é a experiência que os alunos possuem em estudarem com materiais de qualidade dentro de ambientes universitários.

Finalmente, a associação PROJOV, iniciativa realizada pelo Rotary Club, se dedica a promoção da inclusão social por meio de programas de capacitação e inserção no mercado de trabalho para jovens de baixa renda. Com base na formação de parcerias com a iniciativa privada, o programa visa a inserção no mercado de trabalho, contribuindo para que as empresas conveniadas atinjam a cota obrigatória da Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/2000). Os jovens atendidos entre a idade de 15 a 17 anos recebem formação de 70% de prática na empresa e 30% aulas teóricas nas entidades do PROJOV, totalizando 1280 ou 1840 horas. Os alunos participam de aulas introdutórias nas unidades do programa, seguidas por dias fixos na unidade mais próxima de sua residência e uma quinta-feira do mês para aulas teóricas.
A priorização do ensino para o trabalho deve e tem de ganhar relevo; afinal, o mercado de trabalho necessita de profissionais qualificados para sustentar seus negócios e crescimento econômico.

Marcello Muniz é economista e mestre em Engenharia pela USP. Com 20 anos de experiência profissional, é perito judicial, atua como Analista de Negócios junto à Data Science Business Management (DBSM) e é professor de Economia junto à Unifaccamp (de Campo Limpo Paulista) e Faculdade Impacta de Tecnologia (FIT).
Atuou como pesquisador da Divisão de Economia e Engenharia de Sistemas do IPT (DEES), consultor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Analista de Projetos da Fiesp.
Apaixonado por temas relacionados a políticas públicas e economia, autor do livro Matemática para Economia (Ser Educacional), participou na qualidade de coautor de 13 livros, entre esses: Política Industrial (Jornal Valor Econômico), Outward FDI from Brazil and its policy context (Vale Columbia Center on Sustainable International Investment), Gestão da Inovação no Setor de Telecomunicações (Fapesp) e Ressurgimento da indústria naval no Brasil (projeto-Ipea-BID).
Bela matéria, pelo economista Marcello Muniz, foi cirúrgico no texto, depois que comecei a ler suas matérias comecei a aprender mais, o que a mídia não fala, parabéns!
Obrigado pelos comentários, Pedro. Abraços