… De esta manera pomposa, quieren conservar su asiento
Los de abanicos y de frac, sin tener merecimiento
Van y vienen de la iglesia, y olvidan los mandamientos, si!

(Violeta Parra – La Carta)

O nascimento da tragédia grega se dá por volta do século VII antes de Cristo quando os sacerdotes que falavam em nome dos deuses começam a ser questionados – onde termina a voz divina e começa a voz humana? Como se dá essa mágica interlocução com Zeus, Athenas, Dionísio, e seus parças…? A falta de respostas gera uma angústia existencial que transforma o drama grego em tragédia – recriamos no palco o inevitável sofrimento com tudo que não conseguimos explicar – e usamos máscaras, para esconder nosso pavor e hipocrisia.

São as angústias existências descritas por Schopenhauer para quem mundo “é produto de uma cega, insaciável e maligna vontade metafísica” ! A busca de um significado maior acompanha a espécie humana, desde os tempos em que adquiriu capacidade cognitiva e vida gregária. Depois de tudo que ralamos por aqui, merecemos a escuridão do nada ou o facho de luz??? Qual o sentido disso tudo?

Temos então o caminho da descoberta de nossa espiritualidade, das lendas e mitos, que enfeitam o imaginário místico e semeiam a fé no coração das pessoas.

Respeito quem não acredita em Deus, pelo menos neste Deus que nos vendem, que pune os “pecados do mundo”, um Deus opressor que é uma criação humana, que gera nas pessoas o medo da morte e danação eterna, que enfraquece nosso desejo e dobra nossa vontade.

Talvez o ateu tenha menos probabilidade de ser hipócrita, pois não precisa se prender a moralismos ou dogmas que não consegue explicar – ele simplesmente não acredita e ponto. Essa descrença pode ser poderosa, desenvolve uma racionalidade estoica e a prática da ciência como explicação para tudo que não conseguimos explicar – não é preciso gastar energia carregando o fardo de uma existência inexplicável – basta preencher com coisas e realizações terrenas o tempo que estivermos por aqui – evidente que morrer, para um ateu, seja uma experiência mais apavorante que para quem possui uma visão mais espiritualizada da existência… afinal, só pode tripudiar da morte quem aceitou a eternidade como algo possível, e compreendeu que somos seres espirituais numa jornada terrena.

Meu querido mestre Luiz Carlos se esforçou no passado para me levar para a igreja – se não virei um grande cristão, agradeço a ele a semente da espiritualidade plantada no solo curioso da juventude, sentida e experienciada de formas distintas conforme a maturidade ou fases da minha vida. Muito da alegria e entusiasmo que me acompanham são fruto da percepção de uma conexão com algo maior, a energia universal, da qual somos criaturas e criadores. Somos sim, Deuses, quando canalizamos o poder de criar, amar, curar.

Quando eu crio, quando faço arte, ativo a centelha divina que nos faz sair da zona de conforto e nos dá a coragem de olhar a vida com generosidade, nos encantando com a beleza do pôr do sol, reconhecendo o carinho nos olhos de quem amamos, promovendo encontros e criando possibilidades. Quando aprendemos a desconectar nossa mente adestrada pelo trato social, ouvimos o universo, soltamos nossa intuição e agradecemos secretamente a oportunidade deste divino despertar. Tudo é energia, e neste espaço de manifestação, tempo e espaço como concebemos inexistem.

Esta é uma busca pessoal, nenhuma igreja secular nos dará mais que algum vislumbre da espiritualidade, e nos fará cair num espaço de confusão onde vamos seguir dogmas e ritos sem compreender seu significado. O “cristo” que habita em nós não precisa de igreja para se manifestar!

Eu vejo igrejas como instituições humanas, que se prestam a controle social – são espaços de poder e influência (em nome de Deus já se praticou muito genocídio) – ali encontramos arrogância, manipulação, ganância, corrupção, sede de poder como em qualquer outra instituição humana.

Para que não me julguem odioso, reconheço a importância que a vida religiosa tem sobre muitas pessoas – a oportunidade de enxergar o outro, aliviar angustias, buscar reconhecimento e identidade. Talvez até crescer espiritualmente. Muita gente vai encontrar no evangelho inspiração para suas próprias vidas, operando ou reconhecendo pequenos milagres cotidianos; outros se encontram na visão filosófica das correntes orientais, na placidez da jornada de Sidarta ou Krishna, nas lendas do candomblé, na fúria de Tupã ou na sedução de Iara.

É fundamental compreender e respeitar todas as crenças que libertam pessoas e ampliam suas potencialidades humana e espiritual. Que nos despertem o desejo e a criação, reduzam a ansiedade de enfrentar nossos medos, nos induzam a empatia, facilitem relacionamentos e reduzam conflitos. Afinal, crentes e ateus terão a mesma certeza eternizada pro Billy Blanco: “quando o tombo termina, é terra por cima, na horizontal…”

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