Sala sem mobília, goteira na vasilha
Problema na família quem não tem

Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem…

(Ciranda da Bailarina – Chico Buarque)

Vamos falar de família! Aquelas famílias idealizadas onde é tudo perfeito para o consumo externo, como um porta-retratos com todos bem vestidos num belo dia de sol.

Mas vamos lá, todas as famílias tem um esqueleto no armário que vem assombrar o almoço de domingo, afinal, quem não tem uma tia louca, a irmã junkie, um tio estelionatário, ou primo que desapareceu no mundo e ninguém soube falar mais dele… quem sabe um avô que fez infames cambalachos durante a guerra, ou alguém que roubou a fazenda dos irmãos, mamães que traem papais e vice-versa.

Nada mais normal que membros da família serem pessoas normais, mas insistimos no conceito da “boa família”, aquele velho falso moralismo que enfeita a cara de pau social que não há verniz que empane! Constatar que muitas famílias são parecidas, ou seja, quase boas, jamais tira a grandeza do espaço de importância que a família tem na construção social. É o espaço onde aprendemos a nos comunicar e interagir com o mundo,  onde ganhamos habilidades simples como andar de bicicleta, nadar, rezar, fazer bolo, ganhamos nossos hábitos culinários, nossos conceitos de higiene (ou não), e aprendemos durante anos valores que na adolescência contestaremos junto aos nossos pais, e depois vamos provavelmente defender os mesmos valores de nossos pais perante os nossos filhos, num ciclo interminável de eficiência e moralismo familiar ao qual ninguém está imune.

E temos as midiáticas famílias das celebridades, que escancaram a vida que todos queremos ter, por ser mais fácil de contar do que a vida como ela é – Nelson Rodrigues se espantaria! Há de tudo: pais roubando patrimônio da filha, mamãe pastora-cantora conspirando com os filhos para matar o marido, traições ou romances entre primos, e o austero cidadão de bem, empresário, rotariano, mantenedor da Santa Casa e (quase) secretamente, do puteiro local. E como não pontuar a evangélica e mítica família quase real que ao final revelou seu pendão para o contrabando de joias… moralistas e mascates.

Certa vez estive hospedado em Milão por uma família durante a eleição para primeiro ministro, onde pai, mãe e três filhos votavam em um partido diferente, com convicções muito especiais em relação aos seus candidatos da extrema direita à extrema esquerda – me diverti bastante com a polarização e o banzé italiano no primeiro dia, mas infelizmente eu fiquei 3 dias com aquela família quase boa. Mas vindo de uma família italiana, consegui ler naquele núcleo familiar coisas íntegras como cumplicidade, respeito, amor incondicional, pois mesmo sem esperança alguma de fusão das visões políticas, era o tipo de família que não deixa ninguém na mão por causa de um voto! Família de verdade.

Famílias são o lugar onde nascemos e provavelmente onde daremos nossos últimos suspiros – feliz quem tem uma família quase boa para chamar de sua, pois sabemos que ali estão nossas referências, onde cantamos as mesmas músicas, fofocamos sobre vizinhos e parentes e fazemos intermináveis maratonas de bingo ou buraco aos fins de semana. Ao pensar minha trajetória familiar, percebo que as coisas simples são as mais relevantes, como receitas, cartas, cantorias, aniversários. Amo muito a minha família quase boa, e agradeço aos que sempre, como em toda família, espontaneamente carregaram o “fogo sagrado” que une o grupo, para resgatar velhas histórias e anedotas, lembrar de viagens que deram certo ou muito errado, dos entes queridos que se foram, ou aquelas histórias escondidas no armário da memória, que ficam mais deliciosas de se conhecer quando mal contadas, no meio de uma festa em especial para gente “de fora”…

E la nave va…

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