Sustentabilidade e Relações Saudáveis no Ambiente de Trabalho.

Se eu fosse Deus, a vida bem que melhorava,

Se eu fosse Deus, daria aos que não tem nada

E toda janela fechava, para os versos que aquele poeta cantava

Talvez com medo das palavras,

De um velho com mão desarmadas…  (Velho Ateu – Eduardo Gudin)

O conceito ESG está cada vez mais consolidado nos discursos e práticas empresariais nos últimos anos – para qualquer organização, o ESG traz desafios relevantes ao implantar práticas sustentáveis que atendam aos interesses de toda sociedade. No campo das boas práticas sociais e ambientais, já podemos colecionar inúmeros casos de sucesso na substituição de insumos, acreditação de carbono, redução de poluentes, reciclagem e respeito ao trabalho justo e legal nas cadeias de distribuição e produção.

Penso que o grande desafio do ESG ainda não completamente solucionado é a Governança! Nos processos social e ambiental as iniciativas geralmente impactam aspectos estruturais ou externos à organização – no caso da Governança, falamos de olhar para o próprio umbigo,  trabalhando a cultura organizacional e as relações de trabalho de nossa equipe direta. Se falamos muito dos casos de greenwashing ao pontuar empresas que utilizam narrativas cosméticas para que “pareçam” sustentáveis, como podemos lidar no espaço organizacional com situações que são o reflexo de nossa sociedade, como racismo, xenofobia, etarismo, capacitismo, misoginia e outras graves distorções de comportamento.

Na ONG Mater Dei de Atibaia, organização que dirijo, atuamos com garantia de direitos na causa da violência contra a mulher – costumo dizer dos países onde mulheres são impedidas de estudar, trabalhar e participar da vida social – estes países perdem 50% de sua capacidade criativa e produtiva… De certa forma, o mesmo se dá nas empresas onde o ambiente interno cria barreiras (muitas vezes veladas) para que todos colaboradores se sintam livres e acolhidos no seu direito de participar plenamente da vida corporativa.

Acompanho o desafio dos profissionais de RH que lidam com situações reais de assédio e preconceito, sem que necessariamente a empresa tenha todas as ferramentas ou espaços de discussão desses problemas. É sempre mais fácil “não ver e não perguntar” deixando que cada resolva seus problemas de discriminação, racismo ou assédio. A empresa deve SIM promover o acolhimento e orientação de seus colaboradores, não somente inibindo práticas condenáveis, mas fomentando a sua discussão e compreensão, um compromisso que demanda maturidade e traz mudanças profundas nas pessoas e organizações.

Costumamos reduzir a importância das ações de garantia de direitos como se fosse mi-mi-mi de minorias – só quem sofreu preconceito ou assédio sabe o tamanho da dor, do incômodo de lidar com uma culpa indevida, da frustração com a injustiça e impunidade. Obviamente, se as situações ocorrem no ambiente de trabalho, potencializam casos de desmotivação, burnout, rescisões, perda de talentos e capacidade produtiva. Como vamos trabalhar pertencimento e  engajamento corporativo se não conseguimos gerenciar ambientes de tolerância e respeito?

É muito fácil argumentar a importância da diversidade e colaboração, onde trabalhamos com diferentes perspectivas a solução conjunta de problemas coletivos. Na prática somos mamíferos competitivos, nos identificamos com nossos “iguais” e lutamos por nossos interesses. Só quando nos permitimos uma reflexão mais profunda é que descobrimos os nefastos comportamentos implantados em nosso mindset, inocentemente cultivados nas anedotas da família na mesa de jantar, nas pesadas e inocentes frases prontas (m… é tudo igual, n… sempre faz na saída), e na absurda caricaturização que fazemos dos gays, estrangeiros, deficientes, mulheres submissas, crentes, idosos e por aí vai. No Brasilzão conservador, o primeiro casal gay feminino só foi aparecer numa novela de forma não-caricata nos anos 90, e adivinhem… elas morrem no final! Numa explosão! Um bom exemplo como lidamos com mensagens xenófobas o tempo todo!

É desafiador uma empresa realizar políticas inclusivas DE VERDADE, trazendo reflexões para além da falsa moral dos manuais de ética corporativa. Se amadurecemos relação saudáveis e cultivarmos ambientes verdadeiramente inclusivos, permitimos o despertar da força inventiva e produtiva de nossos colaboradores, com ganhos na inovação e competitividade do negócio.

O “G”de Governança traz no seu bojo desafios que transcendem a empresa, que são de toda sociedade, mas oferece à corporação a oportunidade de fazer sua parte, refletindo e promovendo mudanças em relação às diversas formas de preconceito que praticamos de forma espontânea todos os dias. Também se constitui em iniciativa de compliance, quando atuamos na prevenção de casos de assédio ou preconceito que podem tornar-se públicos e arranhar de forma definitiva a imagem da empresa, não muito diferente de casos de corrupção ou fraudes financeiras que temos assistido em algumas grandes corporações, e de assédio sexual que redundaram em demissões de CEOs e indenizações milionárias em federações esportivas e empresas no Brasil e exterior.

Governança Positiva é um interessante conceito balizador, para sairmos de nossa miopia social paralisante, criando lentes caleidoscópicas que nos mostrem a beleza da diversidade – um longo caminho a percorrer, onde a inclusão, a tolerância e a transparência tornam-se ativos estratégicos para facilitar a plena participação e produtividade dos nossos talentos, gerando cadeias de valor para clientes, lucros aos investidores, e boa imagem corporativa junto aos stakeholders!

Microconto Bônus: “Inclusão verdadeira”

“Sou o cego que vê! … de uma forma diferente!”

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