Muito a se falar atualmente sobre a trupe de cidadãos que poderão perder seu status político e se tornarem “inelegíveis” pelos próximos 8 anos; discursos de apoio reiteram a “injustiça” de condenação destes mandatários, que se de fato ficarem fora do jogo, irão gerar manifestações acaloradas sobre golpes de estado e similar.
Qual a injustiça?
Dona Serena, 65, moradora do Caju, está proibida de sair de casa há dois anos pela milícia local, por envolvimento de seu neto com o tráfico – se sair, queimam a casa dela… acho que a Dona Serena está inelegível.
O Mario Lindo nunca foi a SC, visitar um parque e praias que só conhece pela net. O Mario é cadeirante desde a infância, vem de família simples cujos pais trabalham para prover a ele os cuidados necessários – Mario não concluiu os estudos por dificuldades na escola e transporte escolar não adaptados, e tem dificuldades de trabalhar com as poucas empresas de sua cidade, que preferem contratar gente “saudável…” o Mário está inelegível.
Inelegível também ficou a Cândida, da segunda geração de empresários de um grupo gráfico que faliu em São Paulo, com a adoção da Lei Cidade Limpa – de um dia para o outro, todas as vendas interrompidas, falência decretada, patrimônio perdido e 120 funcionários desempregados. Cândida e todos os outros, inelegíveis.
O pai de Cândida, seu Júlio Coragem, aposentado após 45 anos de trabalho duro, voltou para socorrer o negócio de família, gastando suas economias e adiando para sempre a aposentadoria no interior. Hoje muito idoso e enfartado, mal consegue pagar os 12 remédios que toma com a aposentadoria do INSS – a vida deixou o velho Júlio Coragem inelegível. A Cris Esperança não teve muita sorte na sua busca de elegibilidade – foi barrada no SUS porque os documentos de sua filha trans Doraci, não combinavam com o sexo e aparência da garota – a demora de atendimento fez piorar o quadro de infecção da Doraci, aceita com muita má vontade na UTI do hospital público, onde está em coma há dez dias.
João da Luz, filho órfão que conseguiu por méritos próprios estudar com bolsa em bons colégios, se deparou com a falta de padrinho para o primeiro emprego – negro e pobre, bom demais para seus pares da comunidade, e excluído pelos colegas playboys, foi preso numa blitz e ficou em cana dois anos indevidamente, confundido com um conhecido traficante – João da Luz, várias vezes inelegível.
Menos sorte teve Aurora, arrastada da cidadezinha natal aos 14 anos por um casal que prometeu carreira de modelo, foi obrigada a se prostituir e drogar-se, vida da qual saiu para uma instituição de doentes mentais, único lar possível para expiar toda sua inelegibilidade aos 20 anos. Sem clicks na praia ou na passarela.
Os nomes são fictícios, mas conheci estes e muito mais casos reais de pessoas que nunca foram elegíveis, pela cor de pele, pela coragem das escolhas, pela pobreza, origem ou idade. Vale refletir que sociedades desiguais não prosperam, e também não são elegíveis perante a história! De qual sociedade falamos? A dos falsos profetas do poder e dinheiro, preocupados apenas em manter seus privilégios, assentados sobre a coragem, esperança, beleza, luz, serenidade, e candura dos muitos inelegíveis. Até quando?
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Belos textos mas no caso do Bozolixo, inegebilidade é pouco, merece cadeia!
Queridíssima Gianm.
Poderíamos contar incontáveis histórias dos inelegiveis de nossa Terra Brasil!
… Excelente abordagem do tema!
Parabéns… outra vez!
Isa Magalhães