Em 1987, Berlim comemorava seus 750 anos de vida: uma cidade em festa, dividida por um muro ideológico. A “esquerda” soviética vivia a decadência da cortina de ferro. O neoliberalismo de direita vivia sua glória com Margareth Tatcher e companhia, numa Europa que ensaiava sua vida como bloco econômico. Passei o dia com amigos em Berlim oriental num domingo, aproveitando a festa alemã num parque público, muito chopp e salsichas! Final de tarde viemos até o Portão de Brandenburger, lado oriental, onde deparamos com aglomerações – do outro lado do muro, shows de Dire Straits e Eurythmics, luxos capitalistas proibidos para a população da Alemanha Oriental.
Polícia e exército se mobilizaram em afastar as pessoas que só queriam ouvir as bandas – assistimos violência e prisões… Em uma hora tivemos que mostrar nossos passaportes três vezes, e como turistas, nos deixaram em paz; no limite do bom senso e do tempo voltamos ao checkpoint (havia horário para cruzar a fronteira de volta), atravessando a multidão de cidadãos gritando em inglês e alemão: “ponham o muro abaixo”. Por um triz escapamos de passar a noite numa cela em Berlim Oriental, e saí desta experiência ciente de duas coisas: havíamos testemunhado um evento histórico de espontânea resistência (!), e compreendi que a democracia é um bem inalienável da sociedade organizada.
Manter artificialmente um sistema vivo inteligente é tarefa impossível. A natureza aprende e se adapta, pessoas pensam e evoluem – somente conseguimos “controlar” poucas variáveis por algum tempo, para concluir que nada controlamos! Governos de direita ou esquerda, organizações religiosas e espiritualistas, gurus, marcas e padrões de consumo, fazem um esforço tremendo e investem fortunas para ocupar um espaço de controle dentro da mente de cada eleitor/seguidor/consumidor/simpatizante. Para isso, flertam, prometem, seduzem, amedrontam, ameaçam e agridem. Putin invade a Ucrânia!
A vocês que fazem parte dessa massa (valeu Zé Ramalho!): devemos e podemos exercer nossa legítima liberdade de escolha, e para isso precisamos conhecer, experimentar, interagir. Vivemos num ambiente rico em diversidade, e quanto mais convivemos com pessoas e ideias diferentes das nossas, aumentamos nossa capacidade de aceitar, respeitar e compreender como funciona nosso mundo, nossa sociedade, nossas tribos, e como estas múltiplas interações nos transformam em seres mais críticos, exigentes, resilientes e capazes de tomar decisões por conta própria. Ficamos mais inteligentes e ganhamos autonomia!
Em sociedades democráticas, o exercício dessa liberdade é um pilar essencial. Podemos escolher o que vestir e como pensar. Escolhemos profissões, ideologias políticas e até elegemos nossos deuses e nossos vícios. A democracia significa liberdade e demanda responsabilidade, participação e vigilância. Ambientes moralistas e sistemas autocráticos inibem a criação e participação, seja em empresas, igrejas ou no condomínio de seu prédio. Nas ditaduras não há espaço para economia solidária, ativismo, organização comunitária, defesa de direitos – só prosperam os amigos do poder. Estes sistemas artificialmente construídos são insustentáveis como a enferrujada cortina de ferro nos anos 80.
Enfim, em 1989 assisti à queda do muro de Berlim pela TV com um estupefato colega alemão ao meu lado se perguntando: será que aguantamos tanta liberdade? A história mostrou que sim – na democracia não precisamos messias ou salvadores – só boas lideranças e muita participação. Mas se baixar a guarda… sempre temos um Fidel ou Ferdinand Marcos que voltam a nos assombrar! Participe e vigie!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Belo artigo Gian, a Democracia só existe se realmente formos pensadores livres, para que possamos exercitar nosso livre arbítrio…..
Muitas vezes este livre arbítrio demanda muita vigilância! Vigiemos!
Me lembro bem quando o muro foi derrubado pelo povo e o abraços calorosos de famílias separadas por uma ideologia..
No Brasil eu lutei muito para conseguirmos o direito a escolher nosso presidente, erramos pintamos a cara e tiramos o jovem Collor.
Ainda temos este direito democrático e digo que vale muito. Parabéns pelo artigo me deu forças para continuar acreditando.
Reflexão certa na hora certa