Formada a roda, afinamos os violões, enchemos os copos e respiramos fundo – fazer música ao vivo é uma das poucas experiências que quanto mais entregamos, mais aumenta nosso estoque. E logo vem a primeira cliente: TOCA BOATE AZUL!! Com sorriso aberto, atendemos ao pedido. E logo vem TREM DAS ONZE, EVIDÊNCIAS, e outras pérolas que músicos estão condenados a performar. “O artista tem de ir aonde o povo está”, Milton Nascimento sabe das coisas!
Conviver com o senso comum é necessário; o desafio é não nos deixarmos capturar pela mediocridade – ganhamos nossa autonomia sendo autênticos, aumentamos nossa inteligência experimentando coisas novas. Como músico aprendi que é muito fácil agradar todo mundo, mas falar o que todos querem ouvir só nos conecta com a manada – a reprodução de padrões e comportamentos cria zonas de conforto, onde todos gostam de estar. Mas tocar apenas banalidades não cria diferencial – nosso reconhecimento vem da qualidade e diversidade do repertório, de nossa coragem em cantar o que ninguém ouviu, e sabedoria de equilibrar zonas de conforto e desconforto nos ouvintes.
Como sambista, sinto obrigação de resgatar a poesia de Paulinho da Viola, Ivone Lara, Noel Rosa, mestres com quem “aprendi fazer samba com quem sempre fez samba bom” (gratidão Wilson das Neves!). E há quem ouça, se encante e desperte para o universo que vai muito além de “Não Deixe o Samba Morrer” – se a gente não preserva a memória, vai morrer mesmo! Tem a grande massa que não gosta – aqueles do fundo da caverna, esperando o padrão para saber como seguir sua trilha que chega a nada, como repetir o grito de guerra, acreditando que a mesmice vai nos redimir. São os que aprenderam a gritar “Ele não” ou “Lula Ladrão”, e se acreditam cientistas políticos. A estes Senhor, minha compaixão, mas não sabem o que fazem.
A nossa roda vai diminuindo – aumenta o padrão musical, onde todos se reconhecem pelas letras e melodias únicas, caminhos que nos levam a “um lago mais tranquilo, onde a dor não tem razão”. Brindamos ao entusiasmo, celebramos o encontro. Nossa época é curiosa, pois temos à disposição todos dados do mundo ao nosso alcance e a maioria das pessoas não consegue adquirir conhecimento que nos permita evolução, como pessoa ou agente social. Todos se escondem atrás de seus celulares, “evitando o aperto de mão de um possível aliado” (pois é Raul!). A música segue, une, conecta e ensina, justamente por ser diversa, inesgotável como nossa capacidade de produzir poesia; e continuamos, com a coragem de “lembrar que aqui passaram sambas imortais, que aqui sangraram pelos nossos pés, que aqui sambaram nossos ancestrais.” Ninguém ganha um Prêmio Camões por ser idiota.
Mas sempre ficamos alertas – nessa “boiada sempre caminhando a esmo” tem os ressentidos, raivosos e moralistas, que fazem esforço para que o mundo livre se acomode em seu dedal de amargura. A estes desejo alegria e muita música, uma esperança reichiana que os frangos e corvos virem águias… e seguimos escrevendo e cantando muito, pois como diz Paco Urondo, “a poesia dó nesses filhos da puta!”
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.