I Ato – Capitanias Hereditárias

Demorou, mas saiu! Ao dar nome aos bois mandantes do bárbaro assassinato da vereadora carioca e de Anderson, seu motorista, toda a farsa envolvendo a investigação do crime vai sendo desvelada; acredito que a plena satisfação da Justiça ainda seja uma miragem no horizonte neste caso, mas certamente é uma boa notícia saber que a Lei alcança também aqueles que se creem intocáveis.

Em 2004, outro motorista, Aílton, e seus colegas Eratóstenes, Nelson e João Batista, fiscais auditores do trabalho, foram assassinatos em Unaí (MG), durante uma fiscalização de rotina (https://www.sinait.org.br/chacinadeunai). O mandante foi Antério Mânica, fazendeiro e na ocasião, prefeito da cidade. Graças a manobras jurídicas, brechas da lei, foro privilegiado, e manipulação flagrante do sistema, a impunidade se estendeu por quase 20 anos, mas em 2023 colocou em definitivo o figurão do agro e seus cúmplices no devido local onde pertencem: na cadeia, como qualquer cidadão que infringe a Lei.

Em comum nestes dois casos – os crimes foram cometidos por membros da elite local/estadual, que ocupam cargos públicos e usam seu poderio social e econômico para “influenciar” a política, a sociedade, a polícia, o judiciário, ampliando suas fortunas de forma lícita ou ilícita, compreendendo o mundo de forma equivocada, somente respeitando o que interessa à manutenção de seu poder e privilégios seculares.

II Ato – O motivo

Se estamos longe de fazer Justiça, talvez mais distante ainda de compreender a plenitude das motivações dos assassinos de Marielle, um deles, seu próprio colega de Câmara Municipal, eleito democraticamente pelo mesmo sistema eleitoral garantido pela mesma constituição. Aí terminam as igualdades. A democracia não é um presente, é uma conquista, não é concessão, é o direito de uma nação que demanda justiça social e segurança institucional; é a base que molda o Estado justo, inclusivo, soberano, cujo código de leis deve ser eticamente defendido e respeitado pelos seus Governos e governantes, acima de qualquer moral, ideologia ou privilégio.

No mundo do coronelismo infelizmente sonhado por muitos, cria-se o estado bárbaro, dissociado do ideal democrático, a necropolítica que despersonifica a vida, os cidadãos e seus direitos, e suprime vidas sem remorso, inclusive em nome da justiça, da moral e dos bons costumes. Marielle morreu por ser mulher, negra, gay, militante, de origem humilde, convicta de seus direitos cidadãos, combatente dos desmandos da corrupção, do crime organizado, e por crer que através da política se pode realizar transformação social e construir um país livre.

E seus assassinos a mataram porque se julgaram nesse direito.

III Ato – Ambiguidades

Praticar a democracia é viver num mundo de ambiguidades. Não se trata de um OU outro, mas um E outro. Não existe direita ou esquerda, mas um espectro orgânico de posturas individuais e coletivas, que tensionam ou distensionam o ânimo e percepção das personas políticas. PT e PSDB protagonizaram duas décadas de antagonismo político… e o Alckmin é vice de Lula! Bolsonaro compôs base de governos do PT por 13 anos… e até Deus é o mesmo em cada crença ou religião – me provem o contrário!!

Nada é certo ou errado nas narrativas – temos apenas diferentes percepções e valores. Conviver e aceitar as diferenças é o que estabelece a base de uma sociedade democrática, onde cada um é livre para SER E EXPRESSAR suas ideias e posturas. O que estabelece os limites da expressão individual e coletiva é a compreensão e o cumprimento da Lei (rezar na porta de quartel pode, mas pedir golpe de estado é crime); também funcionam como balizadores do bom senso coletivo, a percepção que temos da Ética e da prática da Justiça, estas damas que nem sempre aparecem, mas emprestam rara beleza ao Direito e à prática judicial!

Aprender a conviver com o diverso é amadurecer como indivíduo, sociedade e nação!

Epílogo – Aprendizado

A poesia, a arte, a justiça, a democracia, a diversidade, a verdade, me encantam e inspiram!

Brazões e coronéis não me impressionam, assim como punições divinas, manipulações, convenções sociais e moralismos. Infelizmente há cidadãos que se distanciaram tanto de seus semelhantes, que banalizam a violência, a injustiça e o autoritarismo – isso me incomoda profundamente, e me desconforto a perguntar – Por que? Para que?

A farsa das autoridades e do estado para encobrir culpados e dar justiça aos assassinos de Marielle e Anderson foi revelada. Méritos à polícia e políticos que desejam o Estado de Direito, a Democracia e a Verdade. Mas o teatro ainda está longe de terminar – vamos vigiar, discutir, prevenir, que certos círculos do poder adoram uma impunidade… como diria Capitão Nascimento em “Tropa de Elite”, o sistema é foda!

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