O sucateamento de estruturas e da sociedade pode nos custar muito caro!
Meu irmão costuma dizer que o Brasil não é um país de terceiro mundo, mas somos um país de quinta categoria. O que não estamos enxergando ou o que estamos deixando de fazer, que pode cobrar uma fatura alta no futuro? Venho percebendo que nos comportamentos sociais, nas políticas públicas, na estrutura das organizações cada vez mais nos contentamos com menos. Vejamos só pelas notícias da semana:
Duas médicas exoneradas por zombarem on line de uma criança com dor… trágico, pelo comportamento pouco ético ou moralmente questionável das profissionais, mas que sistema de saúde é esse que produz e abriga este tipo de profissional?
Depois de uma alardeada visita do presidente aos States, Joe Biden sinaliza US$ 50 milhões para o Fundo da Amazônia – para constar que o investimento americano na guerra da Ucrânia supera em 500 vezes esse valor – a guerra é infinitamente mais relevante que o ar que respiramos. Que esmolinha, hein!!
Lojas Americanas e Lojas Marisa deixam claro o que ocorre quando seguem cartilha do capitalismo selvagem – “não paguem ninguém e aumentem nossas margens” – fornecedores quebrados (muitos de pequeno porte), inadimplência com bancos (destes tenho menos pena…), débitos tributários milionários (seu eu não pago impostos, minha empresa perde regularidade em dois meses, como eles conseguem??); a imagem arranhada junto à comunidade passará com o tempo onde se esconderão as verdades no guarda-chuva de uma recuperação judicial, da qual provavelmente os principais acionistas sairão mais ricos. Tio Patinhas se envergonharia.
Demissões em massa nas big techs mundo afora já refletem retração de crescimento, ou simplesmente má gestão por excesso de otimismo? E como explicar que apesar deste movimento supostamente negativo, as big techs ganharam S$ 1,3 trilhões em valor de mercado em 2023?
Para voltar à terra de Macunaíma, assistimos incrédulos o tamanho do estrago do garimpo nas terras Yanomami, reserva que deveria ser protegida por lei, pelo Estado e pelas amadas forças armadas se necessário – a farra dos garimpeiros envergonha o Brasil, assassinando ecossistemas e pessoas, usurpando o direito de todos brasileiros a um legado de sustentabilidade. E temos os alienados que continuam pregando que tudo isso é uma “farsa da esquerda”. Me poupem!!
E temos o golpe! Sinto cheiro de milhares de habeas corpus que vão empurrar com a barriga a responsabilização de autores das invasões de 8 de janeiro, sem contar o que imagino ser a frustrante jornada de encontrar seus financiadores e mentores; as forças amadas e armadas questionam se devem punir militares que foram “simpáticos” aos movimentos “patriotas” e provavelmente em nome da conciliação e governança, ficará tudo em águas de bacalhau, como bem se diz no Velho Continente. Afinal, agora muitos políticos começam a mudar o guarda-roupa, dizendo que amarelo não está mais na moda… E la nave vá, Fellini!
E nosso governo atual vem falar em retornar o crescimento pela via da industrialização, quando o ChatGPT está em vias de promover a maior ruptura nos segmentos empresariais desde a internet – estamos no mesmo planeta? Brigamos pelo petróleo do pré-sal quando o mundo estava na pesquisa do carro elétrico e de hidrogênio; liberamos mais de 3000 agrotóxicos, amarrados no lobby e na mentira de nosso necessário “agrocrescimento” (Brasil, celeiro do mundo!), mas deixamos nossa sociedade passar fome e morrer de veneno.
Muitas vezes povoamos nossas casas legislativas e executivas com eleitos e nomeados sem qualificação e sem caráter, alguns com ficha criminal de fazer Fernandinho Beira Mar parecer trombadinha! E ainda esperamos, em nossa crente ingenuidade, que as coisas vão melhorar! Para uma sociedade que destina mais tempo para discutir quem vai perder o paredão do BBB, ou faz malabarismos para conseguir assistir à Netflix em seu tempo de trabalho home office, é de fato irrelevante participar de coisas como desenvolvimento comunitário, coleta seletiva ou pelo menos lembrar em quem votou para acompanhar e avaliar se fez ou não bobagem…
E temos empresários que se ressentem de falta de mão de obra, e profissionais que não encontram motivação nas ofertas atuais de emprego, todos procurando seu espaço de prosperidade em cenário de incertezas, e nivelando por baixo a qualidade de produtos e serviços, exercitando de forma ímpar o que Espinosa chamava de “paixões tristes” – o oprimido e o opressor acorrentados em suas vidas de miserável interdependência. E todos pagando dízimo e vendo novela.
Perdemos nossa capacidade de indignação? Bom que também temos polinizadores, que enxergam longe e semeiam novos tempos: artistas e ativistas, muita gente boa no terceiro setor, empreendedores de start-ups, uma nova classe política que delimita sua percepção de joio e trigo. Precisamos sair da mediocridade e enxergar além, precisamos de mais coletivos e menos acumulação, mais justiça e menos judiciário, mais ações e menos ideologias, para fazer do Brasil um país de primeira classe! Tudo isso dá trabalho, e tem fim incerto – como dizia meu pai, a velhice pode ser uma merda, mas a outra opção é bem pior… vamos na fé!!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.