Uma das mais significativas manifestações sociais de nossa cultura, o BAR nos traz interessantes lições para compreender as relações sociais.
Posso dizer com serenidade que todas minhas experiências acadêmicas e profissionais não se comparam às horas prazerosamente gastas numa mesa de bar, e isso fica potencializado quando entendemos o valor de frequentar um “bar raiz”.
Raiz por que é genuíno, autêntico, estruturado e significativo para uma comunidade de frequentadores. O bar raiz é simples, despojado, pode ter mesas e cadeiras, mas não prescinde do balcão. O dono ou dona, geralmente trabalha só, quando muito com alguém da família – bar raiz é familiar na origem!
Equipamentos? Cervejeiras, uma mesa de sinuca ou pebolim, às vezes um caça-níquel enrustido… uma churrasqueira é quase obrigatória, para os dias que algum cliente resolve encarnar um chef das carnes… na estufa, a quantidade certa e específica de salgados (o just-in-time deve ter sido criado no bar raiz) e as mesas para cacheta ou dominó ficam enfiadas entre caixas e caixas de breja.
O cardápio é feito conforme a vivência do dono e de sua apurada percepção das necessidades do cliente: moelinha na quarta, pastel no fim de tarde, caldo de piranha no esquenta do sabadão, e bolinho de carne só frito na hora. Não tem croissant nem quiche, mas garantimos coxinhas, quibes e torresmo, é claro!
Não pensem que bar é lugar de cachaceiro – o bar raiz se posiciona como ponto de encontro do bairro – tem gente que bebe, e também tem os que não bebem. No bar, a grande maioria sabe entrar e sair, e tem um propósito para estar lá. Tem cliente diário ou esporádico, bêbados conhecidos ou viajantes anônimos. Há quem atravesse a cidade para provar o bolinho caipira, quem vem a pé de chinelo de dedo para prosear com os amigos, quem faz a fezinha no jogo do bicho, e quem nem sabe porque veio, mas cumpre a rotina há 20 anos… eu costumo ir pela cerveja mesmo.
O bar possui regras próprias – cada um cria seu sistema financeiro, com flexibilidades seletivas de pagamento e crédito – alguns podem até pagar com cheque, outros nem pagando cash a vista – o fiado pode existir conforme troca de olhar entre o freguês e o dono, embora esteja proibido na placa tradicional na parede, ao lado do alvará vencido, do anúncio de bebidas e o tradicional “Não vendemos bebidas alcóolicas a menores de 18 anos”.
O banheiro do bar é no melhor estilo self-service que envolve o cliente na jornada de produção do serviço com mensagens orientadoras: “mantenha a porta fechada”, “não jogue papel no privada”, “dê descarga”, ou frases motivacionais como: “minha família trabalha para servir a sua família”, ou mais diretas como “favor não ca*** no chão, p***!” ou “se mijar no chão tá f***”.
No bar também ocorrem diversas manifestações sociais – formam-se parcerias e sociedades, mediam-se conflitos (às vezes no tapa), há elevadas epifanias e preleções filosóficas, choram-se mágoas de amor, fala-se mal do chefe, e de repente aparece um violão e rola um sertanejo ou pagode mais raiz que o bar.
No bar raiz encontram-se os melhores analistas políticos, esportivos, conselheiros amorosos e consultores dos mais variados segmentos, todos absolutamente sem nenhuma qualificação, mas com um fleumático desejo de compartilhar conhecimento. E se precisar de atualização social, as resenhas e fofocas do bar raiz são certamente mais confiáveis e ágeis que a internet – só perdem para os salões de beleza do bairro.
Frequentadores são mais homens que mulheres, reflexo de nossa cultura machista – mas como o bar finca raiz na comunidade, mulheres são em geral respeitadas… aliás o respeito e a tolerância são regras tácitas do bar raiz, afinal, as pessoas vão lá para conviver, e as diferenças de religião, sexo, raça, classe social ou escolaridade se alinham como os cotovelos no balcão. Bar raiz que se preza não serve como espaço de hipocrisia!
Claro que no bar não se abre mão da zoação do futebol, nem de acaloradas discussões partidárias – quem frequenta um bar raiz já se colocou no papel de aplacar os ânimos acirrados dos frequentadores, no melhor sistema de autogestão da ordem e segurança do estabelecimento. Nós vamos ao bar para relaxar e fazer amigos, e prezamos para que ninguém encha o nosso precioso lazer com ideologias ou problemas existenciais, mas temos consciência que ali pode se conviver com o melhor e o pior do comportamento humano; se preciso, alguém convida o cidadão (bebum ou não) a procurar outro estabelecimento. Não é uma perfeita democracia participativa??
Bar raiz, onde deixamos boas conversas, sonhos de amor e as melhores risadas. Comemoramos os gols do time do coração ou lamentamos a passagem de algum defunto chegado, regado a maria-mole, tubaína e porradinha, subindo a voz para superar o grito de truuuuuuco na mesa ao lado. Como diz Bocage, “as horas do prazer voam ligeiras”… então, que tal um bar raiz para chamar de seu?? Saúde!!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Simplesmente ,bar e cultura frequente-o
Supimpa!!! Amei!!!
Excelente artigo. “Bar Raiz” é mesmo tudo isso. Platão e Sócrates teriam feito músicas inesquecíveis. 🙂