Vivemos há décadas um fenômeno da urbanização acelerada, aliado a um modelo econômico de produzir excedentes sem valor agregado, de estimular o consumo insano destes excedentes oferecendo indiscriminadamente crédito sem lastro para sustentar o sistema. Simples assim é o capitalismo. As pessoas vivem em um lugar sem condições de promover qualidade de vida, consomem coisas que não necessitam, com um dinheiro que não existe, para se parecerem com uma coisa que não são. Este modelo, no entanto, é o que entendemos ser nossa sociedade moderna e nela vivemos. Este mundo pode ser medido em quilates, euros, milhagem e nano segundos. Vivemos em um espaço preenchido de um exagero que não sacia, enquadrados em um tempo precificado que nos é cobrado diariamente.
Há mais de vinte nos fiz o caminho inverso, e me propus a viver e trabalhar fora de grandes cidades. Morei por 15 anos em um município com 10000 pessoas, a mesma população do quarteirão onde eu residia em São Paulo. Esta vivência me colocou em contato com o mundo rural, onde simplicidade é o jeito de ser das pessoas e não apenas um modismo que a última revista estampou. O contato com a natureza, a lida do plantio e trato de animais cria (ou desperta) uma percepção natural sobre as coisas, o espaço e o tempo. É quando o ritmo não é cronológico, mas orgânico, ditado pela batida do coração e da respiração. Vivemos no meio rural o que denomino “o tempo das coisas não síncronas”, um tempo não medido, mas percebido…e portanto, pleno de significados!
A sabedoria do homem do campo mostra quando é tempo de chover, de colher, a “hora” de recolher as cabras ou de castrar o boi. O olhar acostumado percebe a floração e a gestação e se criam outros “tempos”, simbiose do homem que se integra aos ditames da natureza. O caipira sabe o “tempo” ideal que leva uma negociação com o vizinho, e o “tempo” certo a dedicar ao trabalho, descanso e lazer, o tempo dedicado à meditação e prosa à beira do fogão de lenha.
Vivemos no meio rural o que denomino “o tempo das coisas não síncronas”, um tempo não medido, mas percebido…e portanto, pleno de significados!
O modelo de mundo que produzimos nos induz a uma aceleração impensada das coisas, e retira os elementos essenciais que alicerçam o que chamamos qualidade e maturidade. O frango de granja transforma-se em frango assado em 21 dias, mas jamais substituirá a experiência e sabor do frango caipira, que teve seu “tempo” de engorda e abate percebido pela sabedoria do caboclo. No ambiente corporativo já se torna lugar comum admirar (e malhar) as gerações Y-Z, que no seu delírio de aceleração (só possível num mundo “matrixizado”) ignora o significado do tempo de aprendizado e contribui para tornar mais disléxicas e paranoicas as organizações onde trabalham. Aprender leva o seu tempo, o tempo da gestação da maturidade.
No mundo corporativo também existem outros tempos – o tempo da mágoa pelo não-reconhecimento, o tempo do medo da demissão, o tempo da frustração por uma ideia rejeitada. Como medir isso?? São coisas somente percebidas. Como mensurar o tempo de revolta com uma promoção injusta de um ou uma colega? Ou o tempo da euforia do vendedor pela conquista de um grande cliente, ou o tempo de orgulho de uma equipe pela conclusão de um projeto? Estas coisas não são medidas, são sentidas, mas possuem o “seu tempo”.
Na permacultura – uma elegante abordagem metodológica para se trabalhar a prática da sustentabilidade – é comum dizermos que o ideal é trabalhar apenas duas horas por dia, dedicando nosso tempo a outras atividades que atribuam significado à nossa existência. É o sonho social preconizado por Keynes nos anos 30 e revivido por De Masi nos anos 90. Isto de fato já é praticado inconscientemente em muitas organizações, onde as pessoas gastam mais de 70% do seu tempo em atividades que raramente agregam valor ao produto final do seu trabalho. Sem contar o tempo do café e fofoca (este muitas vezes mais útil!!). Assim trabalhamos realmente umas duas horas por dia. As outras horas, no entanto, não retornam, não integram um ciclo, não produzem coisas novas, não geram satisfação. Não nos apropriamos desse tempo pois de fato ele não nos pertence – já vendemos esse tempo há muito tempo!
Outro ensinamento da permacultura é a prática da percepção das coisas simples – tudo tem o seu ciclo de nascimento, evolução, maturidade e morte. Esse tempo de observação, de conhecer seu entorno, é necessário para proporcionar fluidez às nossa ações e interações. Nas relações medidas por prazos e preços não há espaço para amadurecer a cooperação, muita energia se desperdiça e as experiências não se fixam, pois não tiveram o seu ciclo de maturidade.
Neste processo não-cooperativo que rege o nosso tempo, caímos na tentação do isolamento, na linha de “minha vida, meu mundo, meu tempo”. Tenho um amigo que possui um sítio de lazer e foi assaltado mais de cinco vezes (lazer ou pesadelo?). No entanto em alguns anos que possui o sítio ele nunca conheceu os seus vizinhos, não frequenta a cidade, não interage com seus moradores e assim jamais compreenderá o lugar. Ele não compreendeu que precisa regular o seu tempo e ritmo ao de uma comunidade, tornar sua presença ali sustentável. Sem isso, ele continuará como um corpo estranho e logo…será sempre assaltado!
Devemos perceber as coisas naturais, compreender os ciclos, perceber a fluidez das coisas e das relações, entender as interações em nosso meio (qualquer meio) e assumir que os “tempos” estão muito além do que registra o nosso relógio.
Provavelmente a esta altura já tenha maturado na sua cabeça de leitor a pergunta básica: como conciliar este tempo de Kronos com a fluidez natural das coisas? Como explicar ao seu empregador taoisticamente que “o tempo não existe”? Não há resposta, não há conciliação. Será preciso aprender a conviver com o síncrono e o não síncrono, do contrário corremos o risco de padecer do niilismo do poeta Fernando Pessoa – “o tempo? Que me importa? Nada importa!”. Isto faz sentido para você? Eu não espero que faça sentido, pois isso também leva o seu tempo. Deixa fluir!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.