Caro(a) leitor(a), somos eternos otimistas e no próximo artigo retomarei às dicas sobre gestão de fluxo de caixa.

Tomei essa decisão para discutir um pouco mais sobre o cenário econômico. Todos os dias surgem novos fatos e não há como negar que esse é incerto sob diversas perspectivas. Há uma frase jocosa que diz: “quando um médico erra mata um; mas quando um ministro da economia erra … ‘mata milhões’ ”.

Infelizmente vivemos, em meio ao excesso e velocidade de circulação das informações, uma espécie de esquizofrenia (transtorno que afeta o pensamento, emoções, comportamento dos indivíduos e, certamente, a memória).

Há algo errado em um país no qual Neymar Jr. que, após o jogo dessa quarta-feira entre Corinthians e Santos, “reclama da qualidade da bola” (nada contra o craque que admiro e deve levar milhares de pessoas aos estádios de futebol gerando valor) e no qual o Presidente da República diz, entre outras frases que, “se estiver caro, não compre” (não levando em conta que, além dos preços, a demanda depende da disponibilidade de renda dos consumidores e que as decisões de política econômica afetam, diretamente, o nível geral de preços e a demanda agregada).

Entre outras atividades profissionais, participo de projetos de ensino que atendem jovens na Etec e Siesp. No último sábado, certos alunos me indagaram: “o economista trata de economizar dinheiro?”. Respondi de “bate pronto” que “estudamos como consumidores, empresários, investidores e governos interagem e tomam decisões no contexto de escassez de recursos”.

Eles tenderam, principalmente quando indaguei o que esses renunciaram ao participar das aulas … Vivi, vi e estudei, com certa profundidade, e trabalho temas relacionados às políticas econômicas. Antes da implantação do Plano Real em 1994, foram adotados mais de 10 planos econômicos sendo implantados no contexto de hiperinflação, desequilíbrio das contas públicas, baixo nível de reservas em dólar e choques, provocados por instabilidades externas. Costumo dizer que o Brasil só não quebrou ainda devido ao nível de reservas internacionais, sobre tudo em dólar.

Em conversas que tive com colegas nas últimas semanas, enfatizei que o alcance da estabilidade da nossa moeda, o R$, foi conquistado por meio de duras medidas, entre essas: abertura comercial, introdução da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), reforma bancária e privatizações, dentre essas, a do setor de telecomunicações.

Embora possa apresentar a articulação entre essas medidas, chamo a atenção para essa última. Pode ser criticado a forma do modelo de privatizações desse setor. Entre 2002 e 2004, participei de projeto financiado pela Fapesp que tratou desse tema. Esse setor foi privatizado entre 1997 e 1998. Até então, o setor público, ante ao caos e desequilíbrios nas contas públicas, ofertava serviços de telefonia de voz cabeada e de 0800. Os mais jovens nem sabem o que foi isso significa.

Havia enorme demanda e escassez de oferta. Hoje parece uma bobagem, mas a Coreia do Sul, que privatizou o setor de telecomunicações em 1990, passou a dispor de lan houses nesse mesmo ano e de serviços de wi-fi público em 2011. Importante destacar que o Brasil teve elevadas taxas de crescimento econômico entre a Segunda Guerra Mundial e o final dos anos 1970. Já a Coreia do Sul foi devastada por uma guerra civil, mas hoje é um país próspero, com elevada renda per capta e índices de desenvolvimento humano (IDH). Em 2022, o IDH do Brasil e Coreia do Sul foram de 0,760 e 0,929, respectivamente.

Ora, mas o que isso nos ensina? No Brasil, o setor público não possuía condições de ofertar esses serviços em escala adequada e de acompanhar da trajetória tecnológica que, pós-privatização, nos levou a oferta dos mais diversos serviços que dispomos hoje. Além disso, a privatização liberou o setor público para o exercício de outras funções e trouxe bilhões de US$ em investimentos diretos, contribuindo para certo controle na taxa de cambio, um dos pilares do Plano Real de estabilização. Quando comento isso, alguns colegas ficam indignados, pois não conseguem compreender a necessidade das privatizações, que a liberdade econômica traz prosperidade, e que a renda é gerada e melhor empregada pelo setor produtivo.

O setor público deve se ater a oferta de serviços de ensino, saúde e segurança e justiça. Na verdade, o setor público deve atender a três funções: estabilizadora (manter a inflação sob controle e o mais elevado nível de emprego), alocativa (investir em atividades de elevado interesse social e baixo retorno em projetos privados) e distributiva (garantir renda para os mais necessitados e prover meios para que obtenham sustento seu e de suas famílias; o seja, capacitá-los e não torná-los eternos dependentes do Estado).

Após a implantação do Plano Real, qual foi a grande reforma econômica? Tivemos um grande ciclo de crescimento econômico pós Plano Real. Imediatamente após a transição de poder entre FHC e Lula, a economia mundial e o preço das commodities cresceram, impulsionados pelo crescimento da economia americana. O Brasil recebeu enormes volumes de investimento direto externo (IDE). Foi um período próspero, mas quais foram as grandes reformas econômicas implantadas desde então?

Durante o governo Temer (2016-19) foi adotada a política de teto de gasto. O objetivo foi conter o explosivo aumento de gastos do governo. Esse foi substituído em 2023 pelo Arcabouço Fiscal e, desde então, o gasto do setor público não parou de crescer. Como resultado houve aceleração da inflação e aumento na Selic e na taxa de cambio, hoje em torno de R$5,80.

O governo de Lula 1 e 2 desfrutou de elevada popularidade e perdeu enorme oportunidade de realizar ao menos uma das reformas necessárias: reforma administrativa, trabalhista, tributária, entre outras. Analistas argumentam que a Reforma Tributária deveria ter sido precedida da reforma administrativa.

Lembrando a metáfora da abelha e da mosca e o fato de colhemos o que plantamos, quem devemos culpar por nossos fracassos coletivos? É leitor(a), no plano de oportunidades de realização de reformas econômicas realmente sérias e profundas houve oportunidades, mas essas não foram aproveitadas.

O economista Paul Samuelson, laureado com o prêmio Nobel em 1970, sustentava que o investidor tem de esquecer perdas e olhar para adiante, mas a sociedade brasileira perdeu inúmeras oportunidades e o tabuleiro do jogo internacional “virou de ponta a cabeça”. Particularmente, creio que isso será bom; temos de repensar e criar novas soluções. Há o “Trump effect”, em meio a profunda crise econômica e institucional no Brasil, e não adiantará buscar culpados pela crise que enfrentamos olhando para fora.

A agenda econômica dos EUA, assim como a brasileira, é soberana; mas há diversos “cientistas sociais” que dizem: “a agenda de Trump está errada”. Isso não vai mudar a realidade e, não restam dúvidas, que a agenda do presidente Trump vai provocar severo ajuste nos fluxos de capital e de comércio internacionais, afetando diversos países. No entanto, não observo “ativistas sociais”, “intelectuais de plantão” e grupos que estão recebendo recursos públicos “a rodo” do setor público apresentando ou discutindo uma agenda de políticas públicas realmente sustentáveis para o real desenvolvimento econômico do Brasil. É um “voo de galinha após ou outro” …

O pior é constatar a acefalia insana de culpar os outros e não compreender que não há uma proposta de agenda realmente consistente para o tal desenvolvimento econômico brasileiro. Creio que devemos nos concentrar no que podemos fazer aqui, enquanto sociedade organizada, para resolvermos nossos problemas internos, econômicos e institucionais, que não são poucos.

Precisamos, enquanto sociedade realmente democrática e organizada, parar de achar culpados e tratar de resolvermos nossos problemas, apesar do “Trump effect”. Infelizmente, voltamos a lidar com problemas econômicos que pareciam superados e não foi feito o “dever de casa” …

Na próxima coluna, vamos retomar as dicas para a melhor gestão do fluxo de caixa das empresas.

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2 Comentários

  1. Em resumo, o texto é uma crítica construtiva e bem-articulada, que convida o leitor a refletir sobre as escolhas políticas e econômicas do Brasil e a buscar soluções sustentáveis para os desafios atuais. A análise de Muniz é um chamado à ação, tanto para os governantes quanto para a sociedade civil, para que assumam a responsabilidade pelo futuro do país

    1. Author

      Obrigado, Alexandre …. No Brasil, estamos “batendo cabeça” a anos e anos … mas qual a agenda factível de promoção de desenvolvimento econômico? Imersos e afogados em disputas ideológicas que, na minha visão, não levam a lugar algum, o Brasil não cresce …

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