Na hora de definir as metas de crescimento é preciso considerar outros indicadores em conjunto e prever possíveis efeitos colaterais que podem gerar sérios prejuízos para o negócio
Empreendedor nenhum coloca o próprio negócio em maus lençóis propositalmente, mas existem muitas maneiras diferentes de isso acontecer sem querer. Uma delas é através das chamadas “metas perversas”, isto é, objetivos aparentemente excelentes, mas que dentro de um contexto maior, na verdade, jogam a empresa no buraco.
“Um exemplo comum está na meta de vendas. Digamos que você definiu que a recompensa dos profissionais ao realizar uma venda é de 10% do valor do produto. Não houve nenhuma especificação de regras, apenas isso: eles vendem e ganham 10% em cima. Perceba que, neste caso, o vendedor pode trabalhar como quiser, inclusive oferecendo descontos que acabam com a margem de lucro do seu negócio”, explica Rodrigo Miranda, CEO da consultoria estratégica VPx Company, focada em empresas com faturamento entre R$10 milhões e R$100 milhões.
“Ele vai bater a meta, você terá que recompensá-lo e seu negócio não se sustenta financeiramente. Isso acontece mais do que se possa imaginar. Outra possibilidade é a equipe de vendas bater a meta vendendo itens para o público errado, que foi atraído exclusivamente pela vantagem do desconto. É provável que o novo público não seja fidelizado, que não se converta em vendas realmente vantajosas e que, ainda por cima, prejudique os clientes recorrentes, já que uma alta pontual na demanda pode acarretar atrasos gerais nas entregas e novos custos de atendimento”, completa o especialista.
Em qualquer cenário, é importante notar que a equipe fez o que foi combinado. O erro foi de direcionamento estratégico. Seria diferente se as variáveis tivessem sido consideradas quando as comissões foram desenvolvidas, ou ainda, se fosse estruturado um programa de recompensas que observassem diferentes necessidades do negócio.
“Um outro exemplo do que estou falando ocorre quando um gestor tem a meta de reduzir o número de chamados pós-venda. O objetivo do empresário é melhorar a experiência do cliente, o que implicaria numa redução no número de reclamações, pedidos de troca, problemas com a plataforma de pagamento, etc. O que pode acontecer? Pode ser que o gestor dificulte o acesso aos canais de ouvidoria, exigindo contatos demorados e burocráticos. Meta perversa. No fim do dia, os clientes têm as mesmas insatisfações”, explica.
Como evitar o autoengano das metas perversas?
Rodrigo Miranda tem ampla experiência no mundo dos negócios. O empreendedor construiu e vendeu três empresas – Shipp e Pack (adquiridas pela Americanas S/A); e a rede de lojas autônomas Zaitt, adquirida pela Sapore S/A. “O que buscamos fazer na VPx é dividir a experiência que tivemos com empreendedores que vivem os mesmo desafios. No caso das metas perversas, a minha recomendação é enxergar as metas em, ao menos, dois grupos: de atingimento e de eficiência. Se o atingimento que você quer é o faturamento, então a eficiência é o EBTIDA, que é o lucro antes de impostos e afins. Se a meta de atingimento é a obtenção de novos clientes, a eficiência será o Custo de Aquisição de Clientes (CAC)”, afirma.
“Quando você coloca as duas metas lado a lado e trabalha em pares, elimina o risco do atingimento ser alcançado e a eficiência não. Assim, na hora de estabelecer a rota para o time, a escalada até o topo acontece com equilíbrio. Essa fórmula pode não resolver todas as questões, mas o conselho geral é olhar com cuidado, analisar casos específicos e estabelecer indicadores que ajudem a monitorar as distorções”, completa.
De acordo com o executivo, os empresários devem trabalhar o tripé: ter alguém experiente para estabelecer metas que fazem sentido com o momento do negócio, analisar cuidadosamente quais comportamentos ou distorções de práticas a meta de atingimento pode estar gerando e, por fim, estabelecer uma meta conjunta de atendimento, sempre.
“Fortalecer o time estratégico com talentos internos ou externos que tenham visão abrangente pode ajudar a evitar armadilhas cotidianas, como ter metas que, uma vez atingidas, não colaboram com o negócio como um todo. A verdade é que não existe um sistema perfeito e as variáveis são muitas. A mesma meta pode ser importante em uma fase e desinteressante para um momento de mais maturidade estratégica. Pense no conjunto”, finaliza.