O que se pode dizer sobre o ano de 2023 certamente não cabe em um artigo, e para facilitar a minha e a vossa vida, caros leitores, vou usar como pano de fundo uma das minhas paixões – o futebol!

O ano começou com a esdrúxula patriotada dos camisas amarelas destruindo prédios públicos em defesa da democracia – a crença cega em uma “ideologia”, a messiânica e distópica jornada dos acampamentos e ingênua convocação das forças armadas a apoiar um golpe militar no Brasil levaram mais de 1500 pessoas à prisão e possível condenação por diversos crimes. O Messias? Em tenebrosas transações de joias da coroa na terra do Tio Sam.

O certo x errado, bem x mal, não cola mais num mundo BANI ou RUPT (explicarei no próximo artigo, ok?) – saber LER E ENTENDER contextos e cenários é a chave para posicionamento estratégico em qualquer empreendimento pessoal, profissional, empresarial, político ou esportivo! Que o digam América-MG, Coritiba, Goiás e o centenário Santos, que não entenderam o que é o Brasileirão e o futebol atual, entrando num cassino nervoso com poucas fichas para jogar, assim como aqueles órfãos abandonados do bolsonarismo.

Sim, está difícil compreender o mundo! Contextos são frágeis, e coisas incompreensíveis ocorrem, como pessoas pagando U$ 250 mil dólares para explodir no fundo do mar visitando o Titanic (não basta um naufrágio?), ou o delírio de Maduro anexando o até então desconhecido Essequibo, ou a milenar guerra do oriente médio que só faz sofrer civis de ambos os lados, tudo puro oportunismo e desespero político. A natureza já ensinou que não se controla artificialmente um sistema vivo inteligente, mas as ditaduras insistem… o que vimos também nas trajetórias do Corinthians e Flamengo, com dirigentes onipresentes insistindo em jogar com a história do escudo, sem projeto, com investimentos insensatos, apostando em times desgastados e jogadores em final de carreira.

O Corinthians e seu baile da saudade (Gil, Fagner, Renato Augusto, Fábio Santos, etc.) conseguiu se safar do rebaixamento, mas custou o fim da dinastia dos Monteiro Alves e André Sanchez no clube… tudo a ser refeito. O Flamengo, mesmo com projeto, investimento, uma grande torcida e o melhor elenco do Brasil, errou feio na estratégia duas vezes com os técnicos Vitor Pereira e Sampaoli, e termina o ano sem levantar nem taça de sorvete – a ver se mestre Tite consegue renovar e fazer jogar em 2024 o espectro do glorioso time de Jorge Jesus de 2019 – só que fantasma não ganha jogo.

Dentro das coisas imprevisíveis ou incompreensíveis, vimos CR7 e Benzema no futebol da Arábia Saudita, e Messi jogando nos States, assim como vimos seu conterrâneo Francisco I (torcedor do improvável San Lorenzo), perseguir cardeais que não concordam com suas progressistas ideias – o mesmo Papa que promove a inclusão e abertura da desgastada Igreja Católica tem seus momentos de General Jorge Videla…

E o “anarco-conservador” Javier Milei já começa o seu mandato apertando o cinto dos argentinos, virando a economia de ponta cabeça, cortando privilégios de servidores, e no mais puro nepotismo, nomeando sua irmã como “primeira-dama” – aos manifestantes, a LEI e polícia. A Argentina sofreu este ano mais que a campanha do Boca Junior, que chegou a final da libertadores empatando quase todos os jogos, decidindo no sangue frio dos pênaltis, insuficiente para conter o futebol alegre e eficiente do Fluminense de Fernando Diniz, Marcelo, Arias, Keno e do inusitado John Kennedy. Pelo menos os hermanos tiveram a alegria de dar uma piaba na gente em pleno Maracanã.

A seleção brasileira reflete aliás toda incompetência dos dirigentes da caquética CBF – uma bilionária instituição sem projeto consistente, que não entrega resultados há mais de 20 anos, quando ganhamos a última Copa no puro talento e muita sorte… nas eliminatórias para a Copa 2026, estamos em sexto lugar – enquanto nossos vizinhos melhoram, estamos apostando fichas no improvável milagreiro Carlo Ancelotti, que não será louco de largar o Real Madrid para ressuscitar o futebol lazarento que a seleção tem jogado.

Sorte de Pelé que não viveu para ver isso, bem como o seu Santos, que sem projeto, sem comando, sem grana e sem elenco, finalmente cumpre sua sina de rebaixamento – passado não segura o jabuti na árvore! E vem os dirigentes dizer com honrosa ingenuidade e arrogância que em respeito ao Rei a camisa 10 não será utilizada na segunda divisão. Fará diferença??

Mas vamos a outros aprendizados do Brasileirão 23, campeonato disputadíssimo até o fim graças ao glorioso Botafogo, que saiu do paraíso e fez questão de mergulhar no inferno ao perder uma inédita vantagem de 13 pontos em menos de 15 rodadas. O que afinal ocorreu com o time de Tiquinho Soares e Cia? Um elenco competente, um bom projeto e com investimento, mas no meio do caminho o vestiário se achou mais importante que o técnico – e como no remoto filme “Ensaio de Orquestra” de Fellini, esqueceram que sem maestro, a orquestra não toca. Cinco técnicos, descontrole emocional, aceleração ladeira abaixo e apenas o quinto lugar no brasileirão.

John Textor (o bilionário americano dono da SAF do Botafogo) deveria ter lido melhor o cenário brasileiro – gestão à distância, centralização de decisões e gerente local sem autonomia ensinaram o que o caboclo sabe há séculos: “o olho do dono é que engorda o gado”! Que o digam Ronaldo Fenômeno (Cruzeiro) e Leila Pereira (Palmeiras) que foram dirigentes presentes e corajosos ao receber, rebater e dar resposta às crises com suas torcidas. Ao perder o campeonato mais ganho da história do brasileirão, o presidente do Botafogo foi para o ataque – culpou os juízes e a CBF num esdrúxulo relatório para provar uma eventual conspiração, e tentar judicialmente brigar pelo improvável, no mais brasileiro estilo jus sperneandis… ao mesmo tempo, nosso congresso aprova uma PEC procurando reduzir e limitar o campo de atuação do STF, no mais flagrante desrespeito às regras da democracia – variações do mesmo tema: se você perdeu, culpe o juiz!!!

E vamos ao vice-campeão brasileiro, o Grêmio – sob batuta e liderança do incansável Renato Gaúcho e do talento do veterano Luís Suarez, o time teve quase os mesmos indicadores que o campeão brasileiro, inclusive um dos melhores ataques da competição e… uma das piores defesas. Não adianta tirar água de um lado, se a canoa está furada do outro! E o Bragantino, com um time competente, quase chegou junto e sonhou com o título brasileiro, mas faltou alma de time grande. Vale ainda citar o Bahia, que balançou até a última rodada, mas reuniu todos os Orixás e sapecou o competente Atlético mineiro em Salvador – já imaginaram o mico e zoação dos torcedores do Vitória, com o Bahia caindo no mesmo ano que o rival retorna de gloriosa campanha da série B? E diz que macumba não ganha jogo!

Com tudo isso, o Palmeiras é bicampeão brasileiro, como resultado de muitos fatores: projeto consistente, com propósito, gestão profissional, investimento responsável e visão de longo prazo, elenco enxuto, sem medalhões, técnico competente e obstinado, aposta contínua nas categorias de base. O time do xerife Zé Rafael, do capita Gomes, Murilo, Piquerez, Mayke, Veiga e do molequíssimo Endrick, foi mais regular durante todo o campeonato, teve o melhor ataque e a segunda melhor defesa, soube ler o cenário e acelerar no momento certo. O futebol mudou: não basta só paixão e talento, demanda estrutura, competência técnica e gerencial, maturidade nas relações e muita análise e planejamento. Como na vida, nas empresas e na política…

Para mim, como torcedor apaixonado, dá no mesmo – vou virar o ano de coração verde… e feliz! E que venha 2024!

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