Vivemos um “momento da verdade” dos movimentos associativos – o que queremos ser e a serviço do que queremos estar?

Grandes leitores!

Durante milhares de anos a raça humana teve a oportunidade de aperfeiçoar sua capacidade de sobrevivência, e contra diversas probabilidades, evoluir e construir uma inacreditável civilização. Um único fator está na base do sucesso desta darwiniana jornada – a capacidade gregária, de operar em grupo, que os nossos ancestrais aprenderam a duras penas – sozinhos, somos devorados, juntos, somos caçadores!

A história humana recente remonta a 20 mil anos mais ou menos, onde aprendemos, para além da importância da organização coletiva, que as trocas entre os pares se fazem necessárias para suprir as necessidades de segurança, sobrevivência e interação social – surge aí a produção de alimentos, de vestuário, as primeiras cidades, a construção de regras de convívio social e prática comercial, a cultura, a religiosidade etc. 

Daquele tempo ao GPT é só um flash na existência terrena; continuamos seres sociais a viver em um mundo de trocas e ações coletivas – sozinhos, ainda morremos. Vamos então falar da expressão moderna dos antigos coletivos de caçadores-coletores: as Associações, particularmente as associações de classe e clubes de serviço.

Nos filiamos a movimentos, organizações de classe, clubes, por evidente necessidade de ampliar nossa capacidade de participação-ação, mas antes de tudo, para afirmar nossa identidade, crenças e valores. E como estão hoje estas organizações? O conceito e estrutura de uma associação, em essência continua na mesma, o que mudou radicalmente foi o contexto onde operam.

Vamos considerar que uma associação de classe possui três grandes objetivos: a REPRESENTAÇÃO dos interesses de seus associados (pessoas ou empresas), a prestação de SERVIÇOS aos seus associados, e por fim, o mais importante – a capacidade e legitimidade de atuar no PROTAGONISMO do desenvolvimento local ou setorial. A evolução natural obrigava a associação a ganhar massa crítica de associados para existir-sobreviver, depois criar serviços para manter o corpo de associados e só depois protagonizar transformações – o tempo deste amadurecimento e a pouca atuação dos pares na vida associativa, facilitavam a formação de feudos de dirigentes miticamente eternos, que falavam em nome de muitos enquanto se distanciavam da base e da razão de ser das organizações.

A velocidade das transformações e o acesso a informação trazem um desafio para o moderno associativismo, ou seja, é preciso fazer tudo junto ao mesmo tempo: assumir um imediato protagonismo, enquanto vai costurando sua rede de associados e serviços, ou secar antes de existir. Não é mais tempo de conversa, é tempo de ações e resultados. Pessoas e empresas sabem o que querem, e não precisam de um dirigente paternalista, que vai nos “representar” ou “cuidar de nós” – ou precisa??

Não cabe no associativismo moderno o dirigente que usa a organização como trampolim para a política partidária, ou simples espaço de poder e vaidade. Queremos dirigentes que “façam acontecer”! Por que filiar minha empresa numa associação que não me traz negócios, que não me protege, que não me dá acesso ou participação, ou subverte os objetivos básicos pelas quais foi criada? A vida associativa moderna se pauta pela ação, pela ética e democracia, em regras necessárias para a longevidade e relevância das organizações.

Assisti infelizmente muitas organizações de classe, consórcios, movimentos populares, se desfazerem por visão míope de dirigentes, pelo encastelamento de gestão, ou pelo aparelhamento partidário ou ideológico. Uma associação que levanta uma bandeira que não é a sua, joga no lixo seu DNA. Particularmente os “arranjos” partidários e ideológicos tiram autonomia e poder das entidades e coletivos, colocando-as a serviço de algo fora de seu contexto e estatuto.

A classe política obviamente procura alianças nas diversas organizações de seu território, parte normal do jogo da política, e cabe às lideranças associativas compreender e saber jogar esse jogo, equilibrando interesses internos e externos, sem anular convicções ou perder capacidade de militância. Em outro aspecto, organizações que ficam penduradas em favores políticos correm risco de perder identidade e autonomia, e não sentem motivação para “correr atrás” de recursos para suas finalidades sociais. E quando se criam ferramentas de financiamento compulsório (vide sindicatos), há uma natural acomodação e a cristalização de gestão (conheci um sindicalista que se orgulhava de estar há 60 anos na presidência de seu sindicato!). Mundo de Garp.

Bons exemplos existem na região! O bom trabalho do Atibaia & Região Convention Visitors Bureau coloca a organização como protagonista na discussão do desenvolvimento do turismo regional, atraindo empresários e parceiros de peso; os clubes rotarianos, que podem se orgulhar de seu sistema de rodízio de dirigentes, um processo induzido de formação de liderança e renovação de gestão… ou a recente reativação da UESA (União de Escolas de Samba de Atibaia), num projeto articulado de retomada dos desfiles carnavalescos e fortalecimento da cultura do samba, ou o Programa Fortes, escritório de design de projetos que fomenta ações de cooperação entre organizações do terceiro setor, empresas e governos, apoiando o empreendedorismo social.  

É fato que nas últimas décadas aceleramos muito a individualidade e o espírito de competição de pessoas e empresas, o que chegou a esvaziar movimentos e enfraquecer o associativismo, mas fortaleceu a visão de empreendedorismo e a meritocracia; é momento das associações repensarem a sua práxis, procurando atrair e manter talentos e parceiros, sem paternalismos ou clientelismos, com transparência e visão de longo prazo nas intervenções. Vamos resgatar o espírito de sobrevivência de nossos avós neandertais, e tornar nossas organizações verdadeiros “sistemas vivos inteligentes”, que integrem nossas diferentes percepções individuais, e ampliem nossa capacidade de ação transformadora.

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2 Comentários

  1. Ao ler este artigo tão bem escrito Gianm,me recordo automaticamente da Ordem dos Músicos do Brasil,a famosa OMB…que foi presidida pelo lendário Wilson Sandolli por décadas e prestou um verdadeiro des-serviço a nossa classe,exigindo a obrigatoriedade de afiliar-se para nós músicos podermos trabalhar em eventos e casas de shows, principalmente no Carnaval,onde milito a quase quarenta anos,e nunca ofereceu sequer um benefício aos seus associados além da famosa carteirinha de músico…kkk

  2. Muito bom, Gianm… concordo!!! Porém, há que se levar em conta que é tempo também das pessoas perceberem que precisam ser atuantes e presentes, pois seu sua participação as associações se esvaziam de representatividade. E que a participação política também é importante, a interlocução com o cenário político é fundamental, se que se perca a identidade. Se tratarmos a política partidária como essencialmente má e como um mal a ser evitado, podemos cortar muito do acesso ao que realmente vai operar mudanças, em última instância, uma ação político partidária. É claro, porém, que há o uso pessoal de associações para fins, únicos e exclusivamente, eleitoreiros… não eleitorais. A ênfase no uso eleitoreiro das associações pode encobrir e rejeitar a ação política forte! Jogar a criança com a água do banho, entende… Com essa ressalva, de que,. nem toda interlocução política é necessariamente ruim, concordo em tudo!

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