Visitei Israel e Egito em janeiro de 1987, numa época que eu tinha mais coragem que dinheiro, mais desejo que bom senso. Em clima de conflito armado permanente, via soldados israelenses espalhados em cada canto. Visitando o norte do país, estive próximo da fronteira e ouvia à noite bombas explodindo em ataques no Líbano.

Por onde hoje é a faixa de Gaza, atravessamos por terra para o Egito, o que rendeu uma ou duas horas de interrogatório e pedido de propina da polícia egípcia, tratamento meio comum de quem vinha de Israel, judeu ou não. Depois de duas semanas na terra dos faraós, um retorno inusitado – interrogatório na fronteira israelense, onde me perguntaram se eu tive contato com árabes – o que eu poderia dizer depois de 15 dias no Egito? Duas horas provando que eu era apenas um viajante e que meus contatos com árabes foram inevitáveis para comer, dormir, passear, etc.

Na partida de Israel, já no aeroporto, nova abordagem da polícia, testando passaportes, procurando inconsistências nas estórias de estadia dos turistas, enfim, parti e sobrevivi para contar. Alguns dias depois que deixei Tel Aviv, um atentado matou muita gente, num local próximo de onde me hospedei.

O mais incrível desta viagem é que conheci muita gente legal, muitos judeus estrangeiros e nativos orgulhosos em experimentar um país novo, de orientação comunitária, gestando sua identidade milenar num território árido de terra e relações. No Egito conheci o contraste (já conhecido) da desigualdade social, do caos urbano, da pobreza endêmica. E também um povo emotivo, orgulhoso, buscando sua identidade naquele maluco final de milênio, do bug que não veio e do mundo que não acabou… assim como nunca acabou o ódio e o conflito permanente naquele rincão do planeta.

A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada (Vinícius de Morais)

Segundo o Michaelis, “Bom senso” é a faculdade natural de julgar (algo, alguém) de maneira correta e equilibrada”, ou também “capacidade ou aptidão de distinguir o certo do errado, o bem do mal, o verdadeiro do falso, em questões cotidianas e corriqueiras que não exijam grandes reflexões ou soluções científicas ou técnicas, resolvendo assim problemas conforme o senso comum.”

Tudo que não há na guerra é bom senso – o conflito insano que faz duvidar da capacidade cognitiva da espécie humana, a banalização da vida e morte, as esdrúxulas narrativas de justificar a violência, onde um aperto de mão caberia para selar a paz.

Quando deixamos de lado o bom senso, resta o ego, e sua necessidade de sobrevivência, de vencer, de brilhar, de oprimir. Ativa-se nosso cérebro reptiliano primitivo, e vivemos num conflito eterno com o outro (quem sabe o possível aliado, certo Raul Seixas?). Ou pior, quando deixamos nossos ódios e medos machucar permanentemente os seres que dizemos amar – nossos pais, irmãos, companheiros(as), filhos, e amigos.

Quando não ativamos nosso bom senso (ou não o educamos o suficiente) não contribuímos para a paz em nosso território, nossa mente e coração. Mantemos nossa vida num eterno desconfiar paranoico de todos que nos rodeiam, sem conhecer os benefícios da confiança, da tolerância, do diálogo e do perdão. Nos punimos com moralismos que nós mesmos criamos e nos aferramos a falsas verdades, simplesmente pela covardia de entender e conviver com as diferenças dos “outros”, mesmo que sejam pessoas de mãos estendidas…

E soltamos mísseis, e matamos e morremos todo dia por achar que é mais fácil achar um culpado do que assumir nossos erros e nossas responsabilidades. Somos uma sociedade imatura, de pessoas e nações. Queremos muito e entregamos pouco; fazemos das ilusões nossas verdades, e culpamos Deus quando a nossa vida é miserável. Temos saída? Descobrir isso é a jornada de cada um. Ou permanecer na Gaza de nosso conflito existencial.

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