A gente trabalha o ano inteiro, por um momento de sonho, prá fazer a fantasia

De rei, ou de pirata ou jardineira, e tudo se acabar na quarta-feira (Vinícius de Morais)

O ser humano trabalha essencialmente com duas grandes motivações – buscar o prazer e evitar a dor. Trabalhamos inconscientemente na busca de segurança e suprimento de nossas necessidades, o que produz medos, angústias e limitações. A busca de identidade, reconhecimento ou realização tende a ser mais consciente. Saber o que se quer e trilhar esse caminho é sintoma de maturidade.

No espaço cinzento das necessidades, lidamos com o desemprego, a solidão, a insegurança, a fome e muitas incertezas – uma posição que nos torna vulneráveis ao controle e manipulação, de vozes que prometem conexões com o divino, com uma vida melhor, com a expiação de nossos pecados, a cura de nossas dores. Vendedores, pastores e políticos treinados conseguem nos mostrar um universo de felicidade – vamos mudar o mundo, encontrar Deus ou fazer inveja ao cunhado com nosso carro novo. Momentos em que nos sentimos mais fortes e vivos, nem sempre conscientes.

Por que acreditamos e nos colocamos nestas bolhas de felicidade voláteis? Por que nos faltam recursos para sairmos pelas nossas próprias pernas do patamar das necessidades básicas? É sempre mais fácil deixar alguém nos dar carona para a felicidade – custa menos, não preciso pensar, sofrer a ansiedade da luta ou a frustração de meu sonho não realizado – sigo sonhando o sonho alheio, e se der errado, ainda tenho alguém para culpar.

E saio em busca da próxima carona.

Só podemos lidar com estas narrativas que mexem deliberadamente com nossos medos e capturam nossa suposta vontade, se aprendermos a entender a realidade que nos cerca. Significa ampliar nosso universo de saberes e relações – dialogar, explorar, conviver com o contraditório. Viajar internamente e olhar no espelho de nossa alma, essa angustiante pergunta – o que estamos fazendo nessa existência? Que sentido faz isso?

Com bilhões de bits e bites de informação, precisamos filtrar o que nos convém receber e digerir. O que afinal queremos, quais nossos desejos? Quando proferimos EU QUERO, a trilha começa a se desenhar, se dizemos EU VOU, começa a caminhada, e no clássico EU CONSIGO, a experiência da jornada pessoal e a leveza do voo solo – a sensação de liberdade vem quando assumimos a condução da nossa vida, e enxergamos tudo a nossa volta, por pior que seja o cenário, com a sensatez e a coragem dos que aprendem com os próprios erros.

Mas sempre temos as tentações: gente que nos contará “verdades e segredos”, fórmulas mágicas e conspirações, nos prometendo amor, glória, sucesso e dinheiro, nos afastando da realidade e de nossa potência. Duvide, questione, pesquise e reflita sobre de fato quais são os seus desejos e caminhos. Quando franqueamos nossa vida aos outros, a ressaca da desilusão é maior que dor de nossos próprios fracassos – pelo menos com estes a gente aprende… em resumo, a realidade pode ser desconcertante, mas é lá que a gente vive!

Então como diria o diabólico personagem da série Lúcifer: o que você mais deseja?

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3 Comentários

  1. Então nos resta tentar equilibrar os sonhos com a realidade, sempre colhendo as informações , processando e definindo o que realmente é importante para o nossas vidas pois o final nós já sabemos e após o carnaval sempre vem a quarta feira de cinzas..

  2. A porta de saída dessa situação de autoilusão é o remédio mais amargo que existe e por isso poucos tomam. É olhar para o espelho todos os dias e dizer a si mesmo: todas as situações que vc vive, sejam positivas ou negativas só tem um responsável, VOCÊ. Se a sua vida vai bem, se você satisfeito com ela em todos os setores – parabéns você é o único responsável por isso. Se não parabéns também, você é o único responsável por isso. Enquanto não entender que, governo, mercado, conjugue, estudo, família, etc. são apenas os imputs, que só controlam os seus resultados se vc não gerenciá-los, tendo uma destino, um rumo, um objetivo a alcançar… vc estará preso na ilusão.

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