O que futebol e política tem a ver? Confira neste artigo uma comparação dos cenários políticos brasileiros e o desempenho da seleção canarinha em Copas!
O futebol para mim sempre foi paixão – jogar, assistir, torcer, e certamente a Copa de 1970 foi o gatilho para isso; lembro dos álbuns de figurinhas, de um pôster com a tabela de todos os jogos (eram apenas 16 seleções…) e a incrível experiência de assistir aos jogos em preto e branco numa TV de tubo, onde raramente se distinguia quem era o time do Brasil em campo! A festa do título, numa praça perto de casa lotada de carros e gente como nunca vi, rojões, batucada, bandeiras de todos tamanhos com mastros de ferro, era tudo alegria.
A Copa de 70 também foi a catarse de uma geração de jovens jogadores que amargaram a derrota na copa da Inglaterra (66) – no México reunimos os melhores talentos do país (alguns que haviam sido preteridos na convocação de 1966), e algumas convocações polêmicas ou “sugeridas” pelo então regime militar, todos sob a batuta de Rei Pelé. O Brasil foi ao México para ganhar a Copa, e para isso precisou da dor da derrota em 1966, do espírito de comunhão do elenco e um pouco de tecnologia – a dupla dos desconhecidos Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira estudou o clima e horário dos jogos e conduziram uma preparação física que fazia o Brasil “voar baixo” no segundo tempo dos jogos, como se fosse necessário quando se tinha a sintonia de Tostão, Gerson, Jairzinho, Carlos Alberto e Cia.
A euforia não deixou legados – em 1974 um arrogante Zagallo não fez a lição de casa, e o Brasil de Leão e Rivelino perdeu para a Holanda, que seria vice-campeã caindo para a Alemanha de Franz Beckenbauer, que curiosamente era uma jovem seleção em 1970, quando amargou a perda da semifinal para a Itália (a dor da derrota de novo ajuda na construção do caráter de um time!).
A contagiante conquista do Brasil em 1970 foi um manto de distração do severo regime de Médici, que apenas iniciava sua trajetória de perseguição política, tortura, e exílio de todos que não concordavam com o Brasil do “Ame-o ou deixe-o”, período que persistiu até os anos 80, com a gradativa distensão política que culminou nas “diretas já” e a eleição (ainda indireta) de Tancredo Neves.
A Copa de 1978 também foi marcada pela pressão política da ditadura militar (a deles, portenhos) “empurrando” a Argentina para uma conquista, para muitos, injusta. Em 1982, nossa melhor seleção de todos os tempos refletiu o que se passava na sociedade brasileira – nossa excelência, magia e encanto não eram suficientes. Muito talento e pouca efetividade… mas ganhamos da Argentina do pequeno “pibe” Maradona, que amadureceu e ganhou tudo em 1986!
Nossa seleção na segunda Copa no México era velha e pouco motivada, assim como era a velha política de Sarney: o rei mal coroado da hiperinflação tinha uma grande retórica centrada no passado e nenhuma ação efetiva para nos levar ao pódio.
Com um time jovem e promissor, sofremos derrota para a Argentina em 1990, com condução confusa e equívocos táticos. Assim como o midiático recém-eleito presidente Collor, que se exibia em motocicletas e falava de um Brasil sem privilégios, sem a sucateada economia protegida e sem corrupção. Sofreu impeachment por corrução.
O time perdedor de 1990 foi a base do coeso grupo de 94, que venceu uma Copa dura de assistir, de futebol tático, defensivo e burocrático, apesar de talentos como Leonardo e Romário. Ganhamos nos pênaltis, assim como pudemos em 1994 eleger FHC para suceder ao folclórico (mas efetivo) Itamar Franco. A arrogância de 74 voltou na Copa da França, que bateu o Brasil por 3 a 0 na final, com Mounsier Zidane liderando um time de brilhantes estrelas, que honraram as excelentes gerações de 82-86, colocando a França no topo da história do futebol. 2002 foi uma Copa de surpresas, vencida justamente por um Brasil que conseguiu unir a partir da derrota de 98, muito talento, empenho e visão competitiva, estudando seus adversários, aproveitando oportunidades e ampliando o repertório de soluções em campo. No Brasil, Fernando Henrique encerra seus mandatos com sabor de vitória, abrindo caminho para o governo mais progressista do “Lulinha paz e amor”. A copa de 2006 insistiu no “time que ganha não se mexe” – com Galvão Bueno falando mais
bobagens que o costume e suprimindo as críticas a um time que não era competitivo: perdemos. Lula se reelege, mas precisa fazer ajustes migrando para uma base de governo de centro-esquerda, para garantir governabilidade…
O governo eleito em 2010 foi reflexo do bom trabalho dos mandatos 2003-2010, mas precisou batalhar muito para eleger a primeira mulher presidente do Brasil. Na copa da África do Sul, um time treinado pelo esforçado volante Dunga, vê o truculento volante Felipe Melo ser expulso, contribuindo na derrota do Brasil para a Holanda, que depois amargaria seu terceiro vice-campeonato em Copas. Venceu a incrível geração espanhola de Pujol e Iniesta.
Não adiantou o discurso enganoso que estava tudo ótimo, que éramos incríveis, com a alegria do futebol nas pernas: o Brasil em 2014 foi vergonhosamente batido em casa no humilhante 7 a 1, pela Alemanha que se concentrou na Bahia, comeu acarajé, fez trabalho social, e mostrou em campo todo seu talento e disciplina, com humildade e boca fechada… muito discurso e pouco diálogo levaram em 2017 ao impeachment da Dilma – outro 7 a 1 sem piedade nem conversa com o congresso dos tempos de Sarney.
Michel Temer de certa forma iniciou uma transição política, que culmina com a eleição do Messias e a promessa de novos ares em 2018 – com um time razoável fizemos uma decente apresentação na Copa da Rússia, mas caímos fora cedo, de novo. Bolsonaro não se reelegeu.
Chegamos ao Catar com um time amadurecido pela derrota de 2018, com muitos velhos e jovens talentos e a retidão do gaúcho Tite e sua boa equipe técnica – um cenário favorável, melhor que das últimas quatro Copas. E o Brasil? Muita competitividade expressa na equilibrada eleição e um forte otimismo pelos “novos ares”, pintados em cores democráticas, que trazem a esperança de restaurar a sanidade, o caminho para o desenvolvimento sustentável e a liberdade garantida dos direitos que duramente nossa sociedade conquistou. Temos tudo para ganhar a Copa – é preciso esforço e muita vigilância, porque os adversários também sabem fazer sua lição de casa.
Pelo menos agora posso usar camiseta amarela, sem que alguém me odeie ou convoque para um bloqueio de estradas! Vai Brasil!!!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.