A regulação e punição de gestores envolvidos em ilícitos enfrenta entraves legais, enquanto empresas precisam reforçar mecanismos de compliance
Nos últimos anos, a responsabilização de executivos por fraudes financeiras tem ganhado relevância no Brasil e no mundo. A crescente exposição de casos evidencia a necessidade de aprimorar investigações e exigir maior transparência das empresas, incentivando a implementação de mecanismos robustos de compliance.
Do ponto de vista cível e administrativo, a Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) e a Lei Anticorrupção (Lei 12.846/13) já preveem sanções para dirigentes que participam ou se omitem diante de atos ilícitos. No caso da Lei Anticorrupção, as penalidades podem incluir multas de até 20% do faturamento da empresa e medidas judiciais, como reparação de danos e até suspensão das atividades.
Já na esfera penal, a questão é mais complexa, pois o ordenamento jurídico brasileiro não permite a responsabilização automática de um executivo por atos de terceiros, diferentemente do que ocorre em outras áreas do direito.
Dificuldade na responsabilização penal
Um dos principais desafios para as autoridades é comprovar o dolo ou a culpa de gestores em estruturas empresariais complexas. Muitas vezes, a dificuldade em rastrear decisões e responsabilidades individuais faz com que as punições recaiam apenas sobre funcionários de menor escalão, deixando os executivos impunes.
“Um outro ponto problemático é a identificação das pessoas que ostentam a condição de garantidor, ou seja, que teriam o dever e a possibilidade real de agir para impedir o delito. Tais indivíduos podem ser punidos juntamente com o autor do crime e pelo mesmo tipo penal, nos termos do artigo 13, §2º do Código Penal Brasileiro”, explica Jenifer Moraes, advogada e professora de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A especialista ressalta que as estruturas empresariais modernas, muitas vezes descentralizadas e horizontais, dificultam a identificação de quem realmente tem o poder de evitar um evento delituoso. Segundo ela, o aumento de penas ou a criação de novas leis não resolveria o problema, sendo necessário investir mais na investigação dos casos e na troca de informações entre órgãos internos e governamentais.
O papel das empresas na prevenção de fraudes
As próprias companhias têm papel fundamental na prevenção de fraudes e na responsabilização de eventuais envolvidos. A implementação de auditorias e programas de compliance eficazes pode garantir maior controle sobre operações financeiras e fornecer dados relevantes para investigações.
“O que não se pode admitir é a violação de garantias penais e processuais para alcançar a alta cúpula empresarial em um modelo ‘top down’ de punição. A presunção de que os administradores podem ser responsabilizados por tudo o que acontece dentro da empresa viola o princípio da culpabilidade e não deve ser tolerada, mesmo em casos graves, como desastres ambientais”, alerta Jenifer Moraes.
A advogada também destaca o risco de distorções no uso de teorias jurídicas estrangeiras para responsabilizar executivos, citando como exemplo a aplicação controversa da “Teoria do Domínio do Fato” pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos anteriores. Segundo ela, esse tipo de abordagem pode levar a questionamentos sobre a legalidade do processo e até à anulação das decisões judiciais.
Caminhos para o futuro
Para garantir uma responsabilização justa e eficaz, especialistas defendem a necessidade de aprimorar investigações e estabelecer diretrizes mais claras para distinguir responsabilidades dentro das empresas. Além disso, o fortalecimento dos mecanismos de compliance e o respeito aos princípios jurídicos são apontados como essenciais para evitar abusos na aplicação da lei e aumentar a transparência no ambiente corporativo.