O machismo estrutural precisa ser assumido, compreendido e desconstruído pela nossa sociedade, uma transformação que passa pela tomada de consciência dos homens em relação a comportamentos tão arraigados e inconscientes, que muitos acreditam ser parte de nossa existência biológica.

Há muitas décadas nossa sociedade procura combater e transformar sistemas de desigualdades de raça, credo, sexo e classe social; particularmente nas questões de gênero, parece que o gap entre desejo e realidade aumenta na medida que todas iniciativas de empoderamento feminino e enfrentamento da violência colidem com o muro da secular ideologia patriarcal, numa sociedade que insiste em reforçar comportamentos de poder de dominação do homem e de submissão da mulher.

O desafio é gigantesco – homens e mulheres, todos fomos educados para o machismo. Banalizamos a desigualdade ao naturalizar a hierarquia de poder em falas do cotidiano: “só podia ser mulher”, “homem não chora”, “lugar de mulher é na cozinha”; e o que dizer de nosso cancioneiro popular onde homens e mulheres reproduzem canções que equiparam a mulher a um cavalo ou objeto de consumo.

Como mudar este cenário? Movimentos feministas lutam de forma estruturada desde o século XVIII, pelo direito a voz, voto e cidadania, promovendo grande transformação social e assegurando cada vez mais participação e empoderamento da mulher; leis e políticas públicas no mundo inteiro reconhecem e respaldam estes direitos, sobretudo no combate ao espectro mais perverso do machismo, a violência de gênero.

Todos estes movimentos são ainda insuficientes para alterar a “moral” que respalda o comportamento machista e que se apresenta não só nas relações pessoais entre homens e mulheres, mas se reproduz também nas instituições, na política, nas empresas, nas igrejas, nas práticas cotidianas, nos ritos e anedotas, ou seja, em tudo que constitui as relações sociais.

Voltamos a nós, homens criados e estruturados no escudo do machismo, que temos a oportunidade de refletir e interagir assertivamente para a sua desconstrução. Falo em tomada de consciência porque desde nosso nascimento reproduzimos de forma automática estes comportamentos, sem percebermos os danos que o machismo gera na sociedade como um todo.

Trata-se de evolução civilizatória, para tornar mais possível um mundo que almeja a humanização das relações, a cultura de paz, a comunicação não violenta, a prática da tolerância, a pluralidade, a inclusão e a diversidade (dimensões que se chocam com um pensar machista).

Um bom começo é compreender o conceito de masculinidades, padrões de comportamento que se mostram no cotidiano e que dizem muito do machismo enraizado em nós. Para representar este papel do macho, que nos é outorgado pela sociedade, nós homens suprimimos sentimentos, não cuidamos de nossa saúde (somos super-homens!), utilizamos a razão para firmar nossa “superioridade” em relação a mulher, competimos com outros machos, e temos uma profunda dificuldade em doar amor e afeto (coisas de “mulher”!), desequilibrando o dar-receber dos relacionamentos que vivenciamos.

Este personagem é real, e como o ator canastrão, convencemos cada vez menos os outros e a nós próprios – manter artificialmente a imagem do herói masculino traz medo e frustração – quando seremos desmascarados? Somos na verdade muito mais frágeis do que pensamos – ao ostentar um poder apenas chancelado pelo machismo, deixamos de assumir nossa própria natureza e identidade, onde cabem emoções e comportamentos que insistimos em reprimir.

Repensar e reestruturar nossa masculinidade é romper com um ciclo de reprodução de comportamentos machistas, o que demanda introspecção, gera desconforto e insegurança. E como toda transformação social que vai durar gerações, vem ocorrendo com pioneiros-polinizadores em milhares de iniciativas por todo o planeta!

Nos anos 70, o brilhante filme “Ciao Maschio” (Adeus, Macho), do cineasta italiano Marco Ferreri parecia profetizar o desgaste deste insuportável papel de super-homem, ao representar a figura do onipotente King Kong desaparecendo nas areias de Manhatan, simbolizando o final do mito e de um ciclo civilizatório. O mundo não vai acabar se o machismo desaparecer. Vai melhorar. E viveremos com mais alegria e elegância, Pepeu, que ser um homem feminino nunca feriu nosso lado masculino…  

Autores e referências utilizadas neste artigo: Alice Bianchini, Gabriela Mansur, João Marques, Programa Bem-Estar Mulher (ONG Mater Dei) e Programa Tempo de Despertar (MPSP)

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