“Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder,

Vencer o inimigo invencível, negar quando a regra é vender,

Sofrer a tortura implacável, romper com a incabível prisão,

Voar no limite improvável, tocar o inacessível chão…

É minha lei, é minha questão, virar esse mundo, cravar nesse chão

Não me importa, saber se é terrível demais,

Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz? “

(Impossible Dream – versão em português – Chico Buarque)

Há 25 anos eu estava conduzindo oficinas de empreendedorismo no bairro da Encosta Norte, na Zona Leste de São Paulo (que no GPS da gíria local é Zona “very lost”) – na apresentação do grupo, falaram dois adolescentes: “Eu sou o Gustavo, tenho 16 anos e sou empresário!”, e o outro “Sou Marquinhos, tenho 15 anos e sou sócio do Gustavo”. Contaram que a mãe diarista havia ganho uma filmadora numa rifa e que pretendia vender o equipamento pois precisavam de dinheiro. Os meninos argumentaram que podiam fazer dinheiro com a filmadora, com serviço de filmagem de festas e eventos da comunidade. E assim fizeram! Já estavam trabalhando há um ano e tinham adquirido outros equipamentos como tripés, cenários, máquina fotográfica, e aprenderam sozinhos a tratar e editar imagens. Sempre trago esta história para refletir sobre o “mindset” empreendedor. O que ocorre na cabeça de quem deseja empreender?

Costumo brincar que o empreendedor(a) é uma pessoa esquizofrênica! Só uma mente cindida consegue viver em duas realidades – o seu hoje e um amanhã onde sonha e vivencia o seu negócio/projeto implantado e lucrativo. Viver esta ambiguidade não é uma coisa simples, demanda conviver com incertezas próprias e com a descrença das pessoas de seu entorno, que não conseguem partilhar da mesma visão de futuro. Isso já torna o/a empreendedor(a) uma pessoa solitária, que precisa muita determinação e convicção pessoal para seguir avante!

Não existe empreendedorismo sem inquietação – empreendedores são por natureza inquietos, inconformados, incompletos – possuem um alerta permanente para oportunidades,  que podem surgir na observação de necessidades de mercado, a partir de uma expertise ou habilidade própria (ou identificada em um potencial parceiro) ou na otimização de recursos “parados” – um carro, uma garagem, um equipamento, como a filmadora que caiu na mão dos adolescentes!

A inquietação do(a) empreendedor(a) precisa virar ação ou ele/ela não se sentirá completo(a)! Conheci muitos empresários(as) que nunca estão satisfeitos(as) e deixam suas equipes de trabalho absolutamente malucas trazendo sempre ideias ou projetos; o seu empreendimento, mesmo já consolidado, passa a ser o laboratório de novas ideias e experiências. Assim garante-se a inovação permanente do negócio.

O mindset empreendedor nem sempre consegue comutar-se para o mindset gestor – a gestão demanda outras habilidades e conhecimentos, um perfil de conformidade e pensamento sistêmico, que os empreendedores geralmente não possuem! Empreender é trabalhar no espaço da criação, da pesquisa curiosa, do design que permite a transição do improvável não existente, em realidade possível. Empreendedores estão longe de ser pessoas normais – possuem personalidade influente, pois precisam vender suas ideias, e carregam a potência criativa necessária para o “fazer acontecer” de qualquer empreendimento.

O mindset empreendedor convive facilmente com o risco, a flexibilidade, recebe sem filtros inputs que permitam ajudar as transformações de ordem interna e externa necessárias a qualquer processo empreendedor. Empreender é conviver com o incerto e com a esperança, é plantar o trigo e vender o pão ao mesmo tempo! Este mindset “desativa” programas bloqueadores (medos, crenças, paradigmas), que afastam os empreendedores de sua maior potência – a criação e experimentação.

Empreender é atuar no patamar da realização – jamais no campo da “necessidade”, que dá respostas imediatas a problemas primários como ganhar dinheiro ou ter uma casa. Empreendedores tem desejo de realizar: ressignificam alguma coisa no mundo externo e sabem que ganhar dinheiro ou ter reconhecimento são consequências e nunca o objeto de seu esforço. É a “programação” que permite sair dos trilhos, quebrar barreiras, romper protocolos e paradigmas, com a consciência de estar muitas vezes mudando as referências do que seja o formal e tradicional.

Sejam empreendimentos milionários ou gerados no impulso criativo adolescente do Gustavo e do Marquinho, empreender é para os poucos que conseguem enxergar o mundo com inconformismo, e não estão muito preocupados com a opinião alheia quando aceleram suas convicções, criam novo rumo em suas jornadas pessoais e impactam as comunidades onde convivem.

Microconto bônus: “Empreendedorismo”

Não sabia o que era, fui lá e fiz!

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