Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos
E perdem os verdes, nós somos uns boçais…
Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da américa católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos
Caetano Veloso – “Podres Poderes”
Quero iniciar esse artigo trazendo resenha de dois livros que li há décadas… o primeiro é “A Queda d´um Anjo”, de Camilo Castelo Branco, escrito no século 19 que narra o processo gradativo da transformação de um cidadão do bem que resolve embrenhar-se na política nacional, e vai aos poucos alterando seus hábitos, abrindo mão de seus valores tradicionais e tornando-se mais um cidadão a ser engolido pela volúpia da Lisboa da época, custeando seus novos prazeres com dinheiro de corrupção…
O outro livro, mais sombrio, chama-se “A Engrenagem”, de Jean Paul Sartre, e nos mostra como de fato o poder é exercido nos altos escalões, e como um presidente eleito democraticamente torna-se apenas um peão no jogo pesado da política e dos interesses de quem possui TODOS os privilégios. Considero estes dois livros obrigatórios para amantes de ciências políticas ou para qualquer cidadão que deseja entender de fato como funciona o sistema no Brasil ou no Exterior!
E mais uma vez o circo chega nas cidades, agenda marcada a cada dois anos, se bem que vale dizer que as eleições municipais são muito mais pitorescas que os pleitos estaduais/nacionais. A eleição municipal, é NOSSA! Fala de coisas do dia a dia – conhecemos os candidatos, a vida regressa, os pecados e virtudes (se houver), os amores, a família, as realizações, os vícios. Durante a eleição tudo se fofoca sobre os candidatos(as) nos botecos, igrejas, velórios e academias.
Tenho certeza que a grande maioria das pessoas não faz a mínima ideia como funciona a máquina pública, ou do grau de responsabilidade atribuída a um(a) prefeito(a), seus secretários(as) ou diretores(as) comissionados(as), assim como aos vereadores(as). Esta falta de conhecimento (ou simples alienação), torna eleitores em inocentes úteis no jogo do clientelismo e da compra de votos. No fundo, vejo qualquer eleição no Brasil como um happening medianamenteensaiado, que custa caro para candidatos e contribuintes.Empresas e cidadãos abastados financiam campanhas em troca de defender seus interesses e os pobres votam esperando que os políticos irão protegê-los dos ricos… uma farsa repetida desde a criação do Estado-Nação!
Fico sempre em dúvida se as pessoas acreditam de fato num idealpolítico-partidário, ou se apenas se deixam levar na ladainha marqueteira; vejo acontecer tanto com pessoas em vulnerabilidade social, como em cidadãos de classe média, um delírio coletivo similar a pessoas com mais de 9 anos acreditarem piamente em Santa Claus!
Falando dos desafios, constato que a grande maioria dos vereadores eleitos jamais leu a Constituição Federal, ou conhecem minimamente o papel e função de um edil! Também conheci dezenas de prefeitos(as) eleitos(as) que não faziam a mínima ideia de como funciona a gestão de um orçamento municipal, o que é uma LDO ou PPA, da necessidade de licitações ou dos controles de gestão da coisa pública. Esta curva de aprendizagem pode ser desastrosa em municípios de menor estrutura, e reduzidas equipes de técnicos servidores municipais.
Para se ganhar uma eleição municipal é necessário dinheiro, dominar espaços de influência e uma estratégia de comunicação e marketing consistente com o perfil do eleitor e do candidato – algo bastante desafiador na era digital. As habilidades necessárias para ganhar uma eleição – populismo, imagem, discursos emotivos – são diretamente opostas aos talentos necessários para se fazer uma boa gestão do município; prefeitos tendem a respeitar acordos partidários e não raro, alocar como agentes políticos pessoas sem formação técnica e até sem habilidade relacional, para conduzir pastas estratégicas como assistência social, cultura ou saúde. Prefeitos eleitos queimam sua imagem com estes arranjos improdutivos nos primeiros seis meses de governo, tempo que ainda possuem crédito junto ao eleitorado…
Os desafios de qualquer município brasileiro são enormes – orçamentos limitados, legislações confusas, dificuldades de contratação de bons produtos e serviços por conta das limitações dos processos licitatórios, endêmicos cenários de pobreza, fome, desemprego estrutural, sistemas de saúde deficientes, desafio de atração de investimentos e por aí vai. Mesmos os melhores governantes raramente conseguem executar mais que 30 ou 40% de seus planos de governo, e só quando juntam boas práticas de gestão com maioria legislativa, às vezes comprada com favores e nepotismo.
Dirigentes municipais precisam muito rapidamente aprender/conhecer os processos e desafios existentes e pensar estratégias – o que só é possível quando se cercam de pessoal com capacidade técnica e jogo de cintura política, algo cada vez mais raro pois não existe escola que prepare talentos para a trama diária da coisa pública. Assim guardo sempre poucas expectativas que governos municipais possam realizar coisas relevantes – é preciso muita determinação, visão de futuro compartilhada com seu staff, que precisa ser minimamente competente no campo técnico e político para promover inovações.
Para além de todo esse desafio, é fundamental articulação de apoios estadual e federal, atraindo programas e recursos para o território, gerenciar crises de atendimento à população e navegar na cultura de clientelismo e corrupção que infelizmente está ativa no repertório político desde as Capitania Hereditárias.
Aos meros cidadãos, que desejam de fato participar de forma ativa da política, cabe (para além do voto) a ocupação dos espaços de participação como conselhos municipais, conferências, consultas públicas, a proposição e acompanhamento de projetos, o lobby junto a dirigentes e vereadores, e o apontamento de irregularidades junto a ouvidorias ou ministério público. É pouco, mas muitas vezes funciona!
E sigo no papel de educador político repetindo o básico sempre ignorado: conheça seus candidatos, suas realizações e suas propostas (e não somente as promessas); NÃO acredite em duendes, e por favor não venda seu voto, porque com ele vai embora seu direito, sua cidadania e sua dignidade! Boa eleição!!
Microconto Bônus: “Venezuela”
Maduro destino: “ciudadania, que és eso?”
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
brilhante observação.