A gente fala de geração como se estivesse falando de uma caixinha organizada: Geração X aqui, Millennials ali, Gen Z acolá. Como se fosse tudo simples, linear, padronizado. Como se cada grupo tivesse crescido no mesmo tapete, com as mesmas oportunidades, as mesmas escolas, o mesmo Wi-Fi, o mesmo país.

Mas a pergunta que derruba essa fantasia é muito mais incômoda: que Brasil cada geração recebeu?

Porque o Brasil não entrega o mesmo pacote para todo mundo.
É como se alguém nascesse com uma assinatura premium do país, enquanto o outro começa no modo “teste grátis por sete dias, com anúncios, travamentos e sem direito ao suporte técnico”.

E aí entram os dados, que são quase como aquele amigo que aparece na conversa só pra jogar a real na mesa: mais da metade dos adultos brasileiros não terminou o ensino médio; o 1% mais rico ganha 34 vezes mais que metade da população; tem gente que cresceu com aula de robótica e tem gente que cresceu sem saneamento básico. Isso não é opinião. É o Brasil estatístico.

A pesquisadora Jaqueline Milhome, na obra Gerações e Transformações Sociais, já tinha avisado: a experiência geracional no Brasil só se explica quando a gente olha para a desigualdade que molda a educação, o trabalho e até a possibilidade de sonhar. É como se o conceito de geração, importado dos Estados Unidos, fosse uma roupa linda, mas que simplesmente não serve no corpo brasileiro. Aqui, o tamanho é outro, a costura é outra, o tecido é outra história.

E aí chegamos ao nonsense de comparar gerações no Brasil. Porque, sinceramente, como é que você coloca no mesmo grupo dois jovens de 25 anos quando um deles cresceu ouvindo “você vai fazer intercâmbio?” e o outro cresceu ouvindo “você pode trabalhar a partir dos 12, viu?”. Eles têm a mesma idade, mas não o mesmo país. A mesma data de nascimento, mas não o mesmo ponto de largada. O mesmo RG, mas não o mesmo Brasil.

O resultado aparece quando essas realidades se encontram dentro das empresas, o único lugar onde os Brasis realmente se chocam. De um lado, alguém que aprendeu desde cedo a falar em público, estudar inglês, montar apresentação. Do outro, alguém que aprendeu desde cedo a sobreviver. E quando o repertório é tão desigual, os rótulos começam a brotar: “preguiçoso”, “difícil”, “não sabe se comunicar”, “não entende hierarquia”. Rotular é sempre mais fácil do que entender.

Mas o Brasil não pode se dar ao luxo da superficialidade.
Nem as empresas.

Milhome lembra que a geração não se forma só no tempo em que você nasceu, mas na condição social em que você chegou ao mundo. É por isso que falar de “Geração Z brasileira” como se fosse uma categoria única é quase tão impreciso quanto dizer que todo brasileiro ama futebol. Não cola. Não explica. Não resolve.

O que explica é o contexto. E contexto, no Brasil, é sinônimo de complexidade.

A verdade é que cada geração encontrou um Brasil diferente. Uns encontraram um país rural, analfabeto e desigual. Outros encontraram um país digitalizado, desigual e… igualmente desigual. O Brasil muda de forma, mas não muda de centro gravitacional. A desigualdade é o sol desse sistema.

E aí, no meio dessa confusão, alguém ainda pergunta por que a Gen Z está ansiosa, cansada, desconfiada. Por que é a geração que mais quer sair do país. Por que tem pressa e medo ao mesmo tempo. Por que questiona tanto autoridade. Será que a pergunta não deveria ser outra?

Porque antes de exigir comportamento, disciplina, visão de futuro ou “perfil profissional”, talvez a gente precise fazer a pergunta que realmente cutuca, provoca, desinstala:

Que Brasil essa geração recebeu, e que Brasil nós estamos deixando para a próxima?

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