Esta semana fui confrontado com uma pergunta instigante – quem é você, de verdade?

Fiquei sem resposta… e ainda mais instigante, sem resposta para o fato de não ter respostas. É como olhar no espelho e ver um estranho no lugar de sua imagem ou talvez um oco sem brilho que facilite o retorno à luz de nossas construções mentais.

E quem somos de verdade?

Somos a vivência angustiada de Schopenhauer (“vida é dor…”) onde o desejo e a vontade são exercícios inúteis que nos distraem de nosso destino fatal?

Somos a massa condicionada dos carnês das Casas Bahia, caminhando e cantando seguindo a canção sem ter entendido nada da letra?

Somos o conjunto de nossas vivências familiares, religiosas, escolares, sociais e laborais, que nos assombram ou inspiram com memórias gratas ou inconscientemente enterradas?

Somos as medalhas de nossas conquistas amorosas ou empresariais? Somos os livros que lemos, os diplomas que conquistamos, certificados de proficiência que não caberão no sarcófago?

Seremos as músicas e poemas compostos? Nossos livros escritos, árvores plantadas, sorrisos cativados, receitas inventadas, as casas construídas e os rebentos que espalhamos pelas mesmas casas?

Ou nos encontramos nos labirintos das terapias múltiplas, breves exercícios de transcendência espiritual onde Deus talvez zombe de nossa terrena e desesperada experiência mística!

Esta semana perdemos o escritor tcheco Milan Kundera, expoente da literatura nos anos 80 e 90; Kundera conseguiu traduzir como ninguém as angústias da sociedade do leste europeu, de saída do claustro soviético para uma liberdade sonhada, mas incerta. Embaralhada na crítica política, mostrava a força e fragilidade humanas quando confrontadas com o amor, a intelectualidade, a sedução, o desemprego, o exílio e a perda da identidade.

Muito aprendi com suas fantasias do riso e do esquecimento, do erotismo cativante dos seus personagens simultaneamente complexos e etéreos, sonhadores de mundos sem opressão, onde a arte, o vinho e o sexo abriam sendas para a leveza insustentável de nosso autodesenvolvimento – como o ridículo da miséria humana ser a luta permanente para que os ouvidos dos outros sejam conquistados por nossos egóicos discursos!

Quem somos? Colagem digital Gianm

Talvez a gente seja um pouco disso tudo, e enquanto todas as demências não iluminem nosso próximo caminho, continuaremos a olhar a imagem construída em nosso espelho, que nos mentirá de volta, com saúde, inteligência e generosidade que nunca teremos, com a beleza que sonhamos, e com os equívocos da riqueza e da ribalta.

Mas posso dizer sem olhar no espelho, que conheço minhas buscas: ­o que amo fazer, minhas vocações, minha profissão e meu contributo para a sociedade onde habito, elementos de meu IKIGAI, ou seja, sentido da vida.

E por mais desconforto que a pergunta inicial me cause, ou o desconcertante vazio de minha busca interna, restam as boas escolhas que nasci para aprender e fazer: o que não sou ou não quero ser, fornece pano de fundo para sobressair a imagem borrada mas autêntica do que desejo construir – sou meu próprio Deus, sou o criador e sou a criatura!

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