Sapere aude! Significater a coragem de servir-se do próprio juízo!

“Saber dizer sim à vida é a revolução que se tem de fazer nos espíritos. Revolução que é a única a permitir entrar em sintonia com aquilo que anima, em profundidade, a vida de todos os dias. Revolução que, assim, permitirá aos que têm o poder de dizer e fazer, entrar em sintonia com o próprio tempo. (Mafessoli – República dos Bons Sentimentos)

Minha querida Tia Rose, professora aposentada, contava uma história de um ex-aluno, que após muitos anos veio visitar a antiga escola… com carinho, no meio da prosa ele disse: “professora, lembra que eu era um aluno terrível, não aprendia nada, não prestava atenção, mas sempre me lembro a senhora dizendo que se eu não estudasse, não seria ninguém na vida. De verdade eu larguei a escola no ginásio, comecei trabalhar cedo, fui office boy, vendedor, virei comerciante e aprendi a fazer negócios. Hoje tenho vários comércios e muitos imóveis de aluguel. Estou muito bem de vida, professora!!”, e com um sorriso maroto acrescentou – “agora professora, não leve a mal, mas eu queria muito ver seu holerite…”

Não são os comportados que mudam o planeta, mas os que andam fora da curva, os que questionam padrões e promovem desequilíbrios e rupturas. Podem ser empresários, artistas, educadores, famosos ou anônimos, seres que enxergam o mundo com inquietação, angústia, indignação, e promovem revoluções.

Vivemos em redes – onde indivíduos, empresas e organizações tecem laços flexíveis que os tornam coletivamente mais inteligentes, ou seja,  mais ágeis no processo de adaptação antecipada ou na resposta às diferentes contingências contextuais. Podemos neste contexto seguir padrões, com mais ou menos agilidade de adaptação, mas existem alguns poucos que escapam ao padrão produzindo um small bang, uma explosão criativa (nunca destrutiva, embora disruptiva), abrindo uma singularidade no campo social deformado pela hierarquia e moralismo, permitindo o surgimento e a expansão de uma bolha, um processo imprevisível e intermitente, aberto, anárquico, distribuído e interativo…

Quem consegue pensar fora da caixa, experimento, difunde suas ideias, assume os riscos do pioneirismo, promove rupturas e perfila entre grandes visionários: Santos Dumont, Bill Gates, Paulo Freire, Gaudí, Rita Lee, Picasso, Gandhi, Peter Drucker, Júlio Verne, Da Vinci, Piazolla, transformadores que ousaram e inspiraram seguidores fieis.

Os movimentos culturais nos mostram desequilíbrios interessantes, como a Semana da Arte Moderna (SP – 1922), a Bossa Nova (Rio, anos 50-60), o Mangue Beat (Recife, anos 80-90), o “blues” em Chicago (a partir de 1930, com a migração dos músicos negros vindos dos estados do sul), o Buena Vista Social Clube (Havana – anos 40 e 50), o carnaval de marchinhas de São Luiz do Paraitinga, iniciado nos anos 80 como uma provocação à igreja da cidade, que por anos proibiu o carnaval!

Este processo de “desequilíbrio” não é linearmente sistematizado, mas podemos identificar, grosso modo, três perfis protagonistas:

O Comunicador, que propaga a nova ideia, zelando pela qualidade e consistência do conceito, é o pioneiro e visionário!

O Especialista, o técnico, artesão, experimentador, pesquisador, produtor do conhecimento que embasa o conceito,

E o Vendedor – que prove a difusão como contaminador entusiasmado, gerando a primeira leva de adeptos, que polinizam a grande massa da sociedade…

Sempre deve prevalecer nos contextos de transformação a relação interativa com as “redes vivas” citadas acima, que com o tempo validarão os novos conceitos – líderes que se autodenominam como a “nova verdade” podem ser apenas charlatões manipuladores; idealistas/criadores que nunca conseguem criar interação com seus ambientes para testar suas ideias, podem tornar-se os “amargurados incompreendidos”. E certamente muitas pessoas que vislumbram e propagam transformações talvez sejam apenas lunáticas.

Mas…o que às vezes parece absurdo pode tornar-se o novo padrão, embora leve tempo. Nos anos 20-30, com o taylorismo e a racionalização da produção industrial dominando o planeta, John Maynard Keynes contraria os padrões e defendia a substituição da “perícia no trabalho” por “perícia na vida”, que implicava na redução do trabalho (mudança organizacional), novas formas de empregar o tempo livre (mudança cultural), e a libertação da pseudo-moral (revolução ética). O capitalismo imperou, veio a crise de 29, a segunda guerra, a guerra fria, múltiplas ditaduras e falsas democracias, a transformação da sociedade em idiotas consumidores de slogans e enlatados.

Mas surgiram alguns small bangs – movimento beatnik, hippies, rock and roll, lutas estudantis na França, Alemanha, Coréia do Sul, movimento pelos direitos civis nos EUA, New Age, Tropicália e Cinema Novo no Brasil, e… nas décadas seguintes assistimos ao surgimento do conceito de ócio criativo (De Masi), da redução da jornada de trabalho, da consciência e militância ambiental, dos direitos dos consumidores, dos pactos de cooperação econômica, a universalização do direito e acesso a informação, a economia criativa, a queda do muro de Berlim, só para citar alguns…Keynes não viveu para ver, mas está honrado por suas percepções humanistas sobre a raça humana.

Eu enfrentava os batalhões, os alemães e seus canhões, guardava meu bodoque e ensaiava o rock para as matinês… (Chico Buarque – João e Maria)

Mudar é apavorante, e desafiar o status social pode ser impensável para muita gente. Mas ninguém merece viver incomodado(a) ou frustrado(a) pela própria incompletude. Sejam grandes ou pequenos ideais, as transformações que empreendemos em nossas vidas nos entusiasmam e energizam, contagiando o povo a nossa volta! Promover mudanças é ativar (e confiar) em nosso potencial interno, alterando o mindset de nossa vida, e quem sabe, impactando a sociedade em que vivemos.

E aí, como você se vê? Como a pessoa que assenta o tijolo? Que levanta a parede? Que arquiteta a catedral? Ou cria uma nova religião sem templos? Ou questiona o Criador e se ressignifica enquanto criação-criatura? Você é sacerdote, crente ou Deus(a) da sua vida? Ou somente reza para que nada dê errado?

Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz… E pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz… (Chico Buarque – João e Maria)

Sempre será tempo de sonhar, agir e transgredir!

Nota: (texto desenvolvido a partir de ideias de Maturana, Augusto de Franco, Malcom Gladwell, Kapra, Gilberto Da Mata e outros).

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2 Comentários

  1. Alô Gian
    Parabéns pelo artigo, pelas informações sempre interessantes, sucesso na sua carreira e bom trabalho junto a Mater Dei, grande abraço.

    Canela

  2. Querido Canela, parceiro de conselho e de quadras!
    gratidão!

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