*Por: Giulio Franchi e Natássia Alencar

No dia 22 de janeiro de 2024, iniciou-se o prazo para as empresas com cem ou mais empregados alimentarem o sistema que gerará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, instrumento criado pela Lei nº 14.611/2023 e regulamentado pelo Decreto nº 11.795/2023 e pela Portaria nº 3.714/2023 do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), como um dos mecanismos que visam combater a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres no país. O relatório será elaborado pelo MTE com base nas informações que as empresas prestam no eSocial e nas informações que as empresas passarão a informar na aba “Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios” do Portal Emprega Brasil, implementada nesta última segunda-feira.

                As informações extraídas do eSocial serão: a) dados cadastrais do empregador; b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; c) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Por sua vez, as informações coletadas por meio da nova aba do Portal Emprega Brasil serão: a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; c) existência de incentivo à contratação de mulheres; d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.

Uma vez elaborado o relatório, as empresas deverão publicá-lo em seus sites e redes sociais, nos meses de março e setembro, como forma de permitir, aos empregados e ao público em geral, a comparação entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, entre outras análises.

                Tanto a lei quanto o decreto que a regulamentou estabelecem que os dados e as informações contidas nos relatórios deverão ser anonimizados, como forma de impossibilitar a identificação dos empregados cujas remunerações passarão a ser publicadas. Contudo, a partir da análise da lei e do decreto, a conclusão a que se chega é que, sem o estabelecimento de critérios específicos de anonimização, sabe-se que na prática não será possível realizá-la, uma vez que a publicização das informações tornará possível a identificação de pessoas que ocupam determinados cargos violando a sua privacidade.

Diante deste cenário, surgem alguns questionamentos: Como garantir a privacidade e proteger os dados dos empregados que ocupam cargos únicos nas empresas? Como garantir a privacidade e proteger os dados dos empregados cujas características como “sexo, raça e etnia” estarão divulgadas ao lado das respectivas remunerações?

Um dos objetivos da Lei nº 13.709/2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), é garantir a privacidade e proteger os dados de pessoas físicas identificadas ou identificáveis. Pessoa identificável é aquela que pode ser determinada a partir da agregação de mais de um dado. Logo, se uma empresa possui somente uma diretora financeira e a remuneração referente a este cargo específico é publicada no relatório, colegas e demais indivíduos que saibam que existe apenas uma empregada naquela posição saberão a identidade daquela pessoa cuja remuneração foi divulgada. Portanto, por mais que o nome da empregada ou o seu CPF não constem do relatório, o cruzamento de poucas informações, sem muito esforço, pode permitir a identificação dos titulares das remunerações de cargos ocupados por uma ou poucas pessoas. Há diversos outros exemplos possíveis, independentemente de haver apenas um cargo para uma determinada posição, pois, se houver apenas um empregado de determinado sexo, raça ou etnia numa ocupação, já será viável a sua identificação.

Ainda que o preenchimento das informações que irão subsidiar a elaboração do relatório esteja sendo realizado em “caráter experimental”, nas palavras do próprio MTE, é possível identificar riscos à segurança e à privacidade dos titulares dos dados que serão revelados nos relatórios. Como forma de mitigar os riscos, há medidas que podem ser utilizadas para tentar afastar a exigibilidade da publicação do relatório.

Não há como prever a maneira como o MTE se portará diante desses questionamentos, que devem ocorrer, inclusive, no âmbito judicial. Iremos acompanhar atentamente os debates realizados e decisões proferidas na esperança de que a transparência pretendida pelas normas de igualdade salarial seja compatibilizada com os objetivos da LGPD.

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