A discussão sobre vale-refeição e vale-alimentação costuma ser tratada de forma uniforme, mas, como se sabe e o novo marco regulatório deixa claro, existem dois universos distintos: o das empresas inscritas no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e o daquelas que apenas concedem o benefício, sem aderir ao programa. Essa diferença conceitual é fundamental para compreender o alcance das mudanças.
De um lado, as empresas que aderem ao PAT usufruem de incentivos fiscais e, em troca, assumem deveres mais rígidos de controle, fiscalização e conformidade. Do outro, organizações que oferecem o benefício fora do PAT não contam com incentivos, mas também não enfrentam os riscos de suspensão, penalidades e responsabilização ampliada previstos no programa.
Ambos os grupos, entretanto, serão afetados pelas novas regras que reorganizam o mercado e redefinem responsabilidades.
Um mercado mais aberto — e competitivo
O Decreto 12.712/2025 sinaliza uma inflexão importante ao estabelecer tetos para as taxas cobradas de estabelecimentos e ao determinar que, em até um ano, os cartões de alimentação e refeição deverão funcionar em qualquer maquininha, independentemente da bandeira.
É o fim, ao menos em tese, de um modelo historicamente concentrado.
Para as empresas, isso representa um ambiente mais favorável para renegociar contratos, ampliar concorrência, testar novos prestadores e reduzir custos indiretos. Fintechs e bancos digitais devem ganhar espaço, oferecendo soluções mais rápidas e menos onerosas. Trata-se de um ponto positivo para organizações de todos os portes.
Para quem está no PAT, os deveres aumentam
Se, por um lado, o mercado se abre, por outro, as exigências sobre quem integra o PAT tornam-se mais robustas. O decreto reforça que o empregador deve orientar formalmente o trabalhador sobre o uso correto do benefício e comprovar essa orientação.
A simples entrega do cartão já não basta: é necessário criar políticas internas, registrar comunicações, treinar equipes e monitorar práticas.
Mais ainda: a empresa pode ser responsabilizada se a facilitadora (a operadora contratada) desrespeitar as regras. Ou seja, o dever de due diligence sobre terceiros ganha centralidade, aproximando o tema dos pilares de ESG e governança corporativa.
Riscos fiscais e trabalhistas: um alerta necessário
O desvio de finalidade no uso do vale, seja por falta de fiscalização, falhas contratuais ou utilização indevida pelo empregado, pode levar à perda da inscrição no PAT e, consequentemente, dos incentivos fiscais.
E, em um cenário extremo, abre espaço para discussões sobre natureza salarial, com repercussões em encargos, reflexos trabalhistas e passivos previdenciários.
Mesmo empresas fora do PAT — embora não sujeitas à penalidade fiscal — precisam se atentar para o risco trabalhista decorrente de uma gestão desorganizada do benefício.
O impacto sobre benefícios flexíveis
Uma mudança sensível, e pouco discutida, diz respeito aos programas de benefícios flexíveis.
Muitas empresas passaram a usar o cartão de alimentação como meio de pagamento para ofertas de bem-estar, educação, mobilidade ou saúde. Com o novo decreto, esse modelo se torna incompatível com o PAT.
E, mesmo fora do programa, o mercado caminha para extinguir cartões híbridos, dada a necessidade de segregação clara entre benefícios de alimentação e outros serviços.
Isso exigirá das empresas um redesenho cuidadoso de seus portfólios, com impacto direto na estratégia de atração e retenção de talentos.
Contratos, compliance e novos cuidados
A abertura dos arranjos de pagamento e os limites impostos às taxas tornam imprescindível a revisão de contratos com operadoras.
Cláusulas de repasse, prazos, auditoria, interoperabilidade e compliance terão de ser atualizadas para refletir o novo cenário.
Para integrantes do PAT, essa revisão é ainda mais crítica, diante do risco de responsabilização solidária.
Mais do que ajustar documentos, as empresas precisarão adotar uma visão de governança contínua sobre o benefício, acompanhando alterações regulatórias e desempenho dos prestadores.
Um cenário em transformação
Como todo processo de modernização regulatória, o novo decreto não encerra o debate. Entidades representativas já manifestaram preocupação com o tabelamento de taxas e a interoperabilidade obrigatória, o que pode desencadear judicializações e ajustes futuros.
Especialistas também discutem os limites da atuação normativa do Executivo, especialmente em pontos que dialogam com a CLT e com a Lei 14.442/2022.
Diante desse cenário, cabe às empresas se adaptarem, mas permanecerem atentas, pois o ambiente regulatório tende a evoluir.
Conclusão
O Decreto 12.712/2025 redesenha o ecossistema do vale-refeição e vale-alimentação no Brasil.
Para quem está no PAT, as mudanças trazem deveres adicionais, riscos fiscais e necessidade de governança mais estruturada.
Para quem não está, o impacto se concentra na relação com operadoras, na revisão de benefícios flexíveis e na adoção de boas práticas de controle.
Em ambos os casos, o novo marco é uma oportunidade para reorganizar processos, reduzir custos e fortalecer políticas de benefícios com mais transparência, segurança e alinhamento à estratégia empresarial.

Especialista em direito do trabalho pela Escola Paulista de Direito – EPD. Especialista em direito desportivo pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – SP. Cursou direito do trabalho reformado na Fundação Getúlio Vargas – FGV. Bacharel em direito pela Universidade São Francisco – USF. Professor e palestrante de direito do trabalho.

