Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:

– Bom dia, meninos. Como está a água?

Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:

– Água? Que diabo é isso? (David Foster Wallace)

Quando jovem, li o clássico de Aldous Huxley, escrito em 1932,  e fiquei apavorado com a perspectiva de uma sociedade letárgica, paralisada pelo medo e mantida artificialmente por regras sociais rígidas, pela supressão do sexo e pelas drogas ofertadas gratuitamente para que todos pudessem “suportar” o regime de opressão e desigualdade. Bebês gerados artificialmente e para servir a classes sociais bem definidas, onde poucos privilegiados seriam “alfas” com direito a inteligência superior e participar parcialmente dos círculos de poder.

Não estamos longe deste universo surreal criado por Huxley – a indústria farmacêutica cria drogas contra a dor, angústia, depressão, e de forma legal ou ilegal, milhões se viciam ou se matam com analgésicos ou heroína. Ninguém aguenta este mundo pronto e milhões de pessoas no mundo todo começam a avaliar a possibilidade de dar fim à própria existência. E a intensa digitalização das coisas e da vida retirou de nós a humanidade necessária, para sentir compaixão pelo próximo, para transar por amos e paixão, para acreditar em Deus sem precisar pagar por isso.

Gosto de arqueologia do futuro – ver como os artistas sonhavam o futuro – cartunistas, escritores, cineastas, de Júlio Verne aos Jetsons, passando pela saga Star Trek, o sonho do criador se materializa perante nossa geração. Embasbacado, percebo que o Big Brother (o personagem de George Orwell, não o reality…) é mais presente hoje que o próprio sonho orwelliano, só que não foi um Estado ditador soberano quem colocou câmeras eletrônicas em nossas casas – nós fizemos o serviço ao comprar um celular e adentrar no universo das mídias digitais. Nós financiamento um nosso próprio 1984 e entregamos toda nossa vida a meia dúzia de empresas que nos dizem o que vestir, o que comer, como nos movimentar e até o que pensar. Do Big Brother para as Big Techs, as donas do planeta, dos governos e das nossas extintas vontades, opiniões políticas e preferências culturais.

O mundo achatou para quase todos cidadãos do planeta neste universo virtual ainda não bem regulado, acima de Estados e Nações e até do próprio capitalismo que o criou,  coroando o ápice de um sistema desagregador, improdutivo, alienante. E resta aos senhores da guerra nos distraírem com suas novelas, quebrando tratados de mentiras e sem nenhum pudor, seguem recriando países, praticando genocídios e conquistando territórios como se o mundo fosse um grande jogo de monopólio. Tudo em nome da Paz!!

O desejo humano fica submisso a estas novas estruturas de poder, onde a cultura e filosofia viram coisa “do demônio”, igrejas industrializam a fé e produzem milhões de dizimistas, farmacêuticas nos envenenam com antidepressivos e remédios de emagrecimento, e nossas escolhas são controladas por inteligência artificial… o que resta?

Quem sabe reconectar com a nossa humanidade em coisas pequenas – o papo com os amigos, fazer música, poesia, cantar e dançar, celebrar coletivamente e cultivar a família em torno de uma boa mesa (se a vida nos permitir ter comida em cima dela); e fazer o carnaval enquanto as festas ainda são permitidas, e olhar nossos filhos e netos com muito afeto e compaixão, que o legado de nossa geração não é tão sustentável quanto sonhamos!

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