Está em andamento em nossa região um levantamento inédito junto a ONGs e empresas procurando identificar demandas e investimentos no campo de ação social, meio ambiente e fomento cultural. Conduzido pelo Programa Fortes de Atibaia, a iniciativa pretende identificar os principais desafios encontrados nos territórios, e como está o protagonismo da sociedade na geração de soluções.

Percebemos nas primeiras coletas de informação, na interlocução com empresas e organizações, que os projetos de forma geral trazem uma visão operativa-funcional – as iniciativas trabalham temas importantes, contudo sem a profundidade necessária para gerar resultados e impactos de longo prazo. É um cenário onde raramente um programa ou projeto chega a discutir profundamente as grandes causas das demandas sociais e ambientais em nosso território. São questões estruturais e seculares, geradas pelo formato de desenvolvimento que experimentamos na terra brasilis: a desproporcional desigualdade de renda, o centralismo na aplicação de recursos públicos, a excessiva ingerência da classe política e governos no espaço privado, seja por regulações,  corrupção ou na simples incompetência em garantir ambientes favoráveis aos negócios.

Pesa também uma visão de maximização de lucro no mundo empresarial, que somado a uma carga tributária pornográfica, restringem investimentos do setor privado em ações de cooperação, aprendizagem ou qualificação profissional – muitos segmentos estruturantes no Brasil (turismo, alimentação, confecção, produção rural, construção civil), costumam remunerar pouco e contentam-se com profissionais de baixa qualificação, o que atende ao lucro de investidores, mas não gera competitividade empresarial nem qualidade de produtos e serviços aos consumidores.

Por seu lado, as organizações do terceiro setor gastam mais energia na captação de recursos e menos energia no desenvolvimento de tecnologias sociais e na implementação de programas de longo prazo – a dependência de recursos governamentais demanda políticas públicas consistentes, o que nem sempre ocorre (vide por exemplo a interrupção do Programa Cultura Viva e a extinção do Ministério da Cultura para atender agenda ideológica no governo Bolsonaro). Como o investimento privado é bem mais disputado, muitos projetos e programas carecem de sustentação e descontinuidade de atendimento.

A sociedade civil também carrega a sua parcela de responsabilidade – seja pela pouca informação, a carência de espaços de participação, por medo, preguiça ou simplesmente por uma endêmica descrença e desesperança, há pouco interesse e motivação para o ativismo e participação social – sem pressão social não se cria o senso de urgência e importância para discutir e gerar soluções para os grandes desafios como combate à fome, garantia de direitos, acesso pleno à boa educação e emprego, perpetuando o conhecido cenário de exclusão e vulnerabilidade social.

Observa-se assim uma “bolha” da não-participação social e da falta de motivação e diálogo assertivo entre os grandes protagonistas indutores de transformação e desenvolvimento social (governos, empresas, terceiro setor, academia, mídia, sociedade civil); neste limbo florescem moralismos, paradigmas equivocados, promove-se a desinformação e a valorização de coisas sem valor, cortinas de fumaça para manutenção de desigualdades e da sociedade de privilégios (para poucos…)!

Neste ambiente competitivo por natureza, floresce a cultura do “nós ou eles” – veja-se a profunda radicalização política construída midiaticamente nos últimos anos, que como discussão política séria chega perto do zero. Assim criam-se abismos de interação entre governantes e sociedade, patrões e empregados, umbandistas e evangélicos, machistas e feministas, alunos e professores, onde todos vivem miseravelmente e acreditar nas próprias e insuficientes verdades, olhando o “outro” como um perigo iminente – são nossas “paixões tristes” meu caro Espinosa!

Como sempre temos abordado em nossos artigos, COOPERAÇÃO é a palavra-chave – se todos que habitam determinado território conseguissem exercitar a empatia, reconhecer o outro e seu diferente ponto de vista, se permitirem adentrar o espaço e a prática da democracia, conquistaríamos o olhar crítico necessário para uma leitura realista dos verdadeiros problemas, empreendendo esforços mais efetivos no desenvolvimento local e melhoria da qualidade de vida para todos cidadãos. Esta visão compartilhada, acima de tudo, melhora a qualidade e direcionamento dos investimentos de tempo, inteligência, criatividade e recursos financeiro, acelerando transformações e estabelecendo critérios claros e objetivos para monitorar a qualidade e os resultados de programas e projetos , públicos ou privados.

Cooperação é filha da democracia – é preciso querer participar, estender a mão, conviver com conflitos e praticar a assertividade, o que demanda espírito coletivo, coragem e vontade política, e desejo de participação! Temos muito a trabalhar para a desconstrução desta sociedade individualista e competitiva (que provavelmente contribuirá para um mundo sombrio e disruptivo no futuro); uma ação que reúne diferentes protagonistas somará muitas verdades, melhorando a compreensão dos problemas e a geração de soluções mais estruturadas, que alcancem resultados e impactos em menor tempo com menor investimento e maior engajamento.

Por onde começar? Valorizando fóruns e coletivos onde estes encontros ocorrem: redes de cooperação, Conselhos Municipais, conferências e audiências públicas, agências de desenvolvimento, rodadas de negócio, são espaços privilegiados para discutir problemas e democratizar decisões – com visão coletiva e desejo sincero, podemos jogar mais sementes, apostando na colheita futura de uma sociedade mais humana.

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2 Comentários

  1. Boa tarde. Continuam boas as análises e sugestões. Você, com certeza, está contribuindo. Abraço

  2. Perfeito… a base dos problemas está na desigualdade social e na ausência da sociedade civil organizada. Bora trabalhar. Parabéns

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