Eu li os símbolos sagrados de Umbanda
Eu fui criança pra poder dançar ciranda
E, quando todos praguejavam contra o frio
Eu fiz a cama na varanda!    

(Raul Seixas – “Eu nasci há dez mil anos atrás”)

Quando veio o insight de tema para este artigo, logo pensei no bruxo Raul Seixas – o bom baiano que transgrediu muitas regras para se tornar ícone do rock e da sociedade alternativa. Misturou paixão e protesto, forró e rock, Miami com Copacabana, o brega e o psicodélico. Fiel à sua autêntica loucura, teve a ousadia de criar para além de seu tempo, e ser para sempre a mosca única que pousou na nossa sopa.

O personagem Sonny do futurista “I, Robot” – filme de 2004 estrelado por Will Smith – é um androide acusado de matar seu criador, o cientista Lanning, pervertendo as três leis da robótica, que determinavam que robôs não podem machucar humanos, devem obedecer humanos (caso isso não contradiga a Primeira Lei), e devem proteger a si mesmos (caso isso não contradiga a Primeira e a Segunda Leis). Sonny foi criado de fato para ser o assassino de seu próprio mestre, e para esta missão recebeu uma tecnologia que lhe permitia compreender e decidir para além das regras  gravadas em seu hard disk: o criador lhe deu o livre-arbítrio! E isso o fazia, na sua própria fala, “único”!

Nosso “hard disk” vem programado com centenas de condicionamentos e informações – cultura, dogmas, moralismos, tradições familiares, medos, roteiros imaginados por nossos ancestrais ou impostos pelo nosso meio. Somos moldados para servir, para temer, para replicar comportamentos. Por sorte nascemos com uma centelha divina, e “à Sua imagem e semelhança” podemos ser deuses, criando, recriando e ressignificando nosso meio e nossa compreensão da vida e do mundo!

Para compreender quem somos, deixamos o espaço limitante de nossas necessidades reais ou impingidas e exploramos um novo território de busca de realizações e desejos, num permanente processo de autoconhecimento e superação. Uma jornada pessoal, incerta, de constantes dúvidas e aprendizados, feita com mais perguntas que respostas, caminho longo para construir nossa singularidade. Somos únicos, se quisermos!

Não existe almoço grátis, é claro – novas percepções e entendimentos nos levam a negar tradições, questionar valores e mudar comportamentos, muitas vezes em desalinho com quem está à nossa volta – maridos, esposas, pais e mães, amigos, sócios, irmãos, podem muitas vezes estranhar as “novidades” em nossas atitudes e falas. Nossa convicção e autenticidade podem ser vistas como arrogância ou empáfia, teimosia ou insubordinação. Podemos “perder” amigos, sofrer julgamentos morais, ou no “pior” cenário – sermos “cancelados” nas redes sociais (rs, adoro essa!).

O caminho de desenvolvimento pessoal que escolhemos é exatamente isso: desenvolver (deixar de envolver), quebrar laços com o que fomos e desenhar o que desejamos ser, uma viagem de desafios e oportunidades que não será jamais uma visita à fantástica fábrica de chocolate de Mr. Wonka (ainda que Mr. Wonka seja também um mítico exemplo de singularidade).

A outra opção? Seguir a manada. Fazer o mais fácil, o menos desafiador, procurar agradar a todos na fútil esperança de sermos amados e reconhecidos. Vamos ouvir a música que mandaram a gente ouvir, vestir o que “todos” vestem, comer a comida que vai nos adoecer e nos entupir dos remédios que não precisamos, para curar nossa alma carente de sermos nós mesmos.

Anular nossa singularidade não nos conecta com o mundo, mas certamente nos desconecta de nosso transcendente potencial. Somos deuses, lembra??? Então como sempre digo, seja você, por mais que isso te apavore!

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4 Comentários

  1. excelente texto, e para finalizar, “eu não tenho nada a re dizer, só não me critique como eu sou, cada um de nós e um universo, e no fim, onde vc vai eu também vou ” Viva Raul.

  2. É um excelente análogo e panorama deste paradigma que é a vida. Entretanto esse texto precisa de uma continuação; porque aí estão pontuados os abismos e as escolhas da vida contemporânea. Mas não suas raízes e as consequências de um Planeta cada vez mais oco, individualista e autodestrutivo. Vivemos a Era da pós-verdade, na Sociedade do Cansaço! Nunca houve tanta informação e desinformação disponível, e pelo visto as pessoas optaram pela desinformação. O Bolsonarismo e o Trumpismo são exemplos perigosos disso. Uma seita religiosa, que vive descolada da realidade e de tudo que é bom, e que usa o nome de Deus como se fosse um jagunço pessoal para condenar quem não aceita as perversidades das ideologias que eles pregam. De terra plana, a rezar para pneus. De ficar fazendo sinais luminosos com o celular para chamar ETs. Inaceitável, porém previsível. As pessoas estão emburrecidas, com o intelecto de uma mosca.

  3. Excelente texto como sempre Gianmarco.
    Quando puder, num futuro proximo comente a nova tecnologia de construção de videos por A.I. que está chegando a semelhança da inteligência contida no personagem “Sonny” comentado por você no texto acima. Só na vida real é a “Sora” e não o “Sonny” que cria com ultrarealismo nao sendo quase possível difereniar o criado do real. Imaginemos o que vem pela frente em ano eleitoral e na nossa vida rotineira. Como nos preparar para separar o que é real do que é criado? Claro que me refiro a conteúdo feito por pessoas maliciosas. Cabe refletir muito e nos prepararmos. E viva o Raul!

  4. Muito bom! Abraço, meu caro.

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