Nos últimos anos, o uso da inteligência artificial (IA) no Judiciário brasileiro tem ganhado cada vez mais destaque, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho. Com a alta demanda de processos trabalhistas e a constante necessidade de inovação para tornar os julgamentos mais céleres e eficientes, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm implementado ferramentas baseadas em IA para otimizar procedimentos e auxiliar magistrados e servidores. Entretanto, o uso da IA nesse contexto levanta debates importantes sobre os benefícios, desafios, riscos e tendências futuras.
Os Tribunais Regionais do Trabalho vêm desenvolvendo e implementando diversas ferramentas de IA com foco na automação de tarefas repetitivas e na análise preditiva de dados. Entre as iniciativas mais notáveis, destacam-se:
- PJE (Processo Judicial Eletrônico): Embora não seja uma ferramenta de IA propriamente dita, o PJE tem sido a base para a integração de tecnologias mais avançadas. Ele permite a digitalização e a tramitação eletrônica de processos, possibilitando que ferramentas de IA sejam aplicadas para análise de dados e automatização de tarefas.
- Victor (TST): Desenvolvido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) em parceria com o Supremo Tribunal Federal (STF), o sistema Victor utiliza IA para classificar e separar recursos repetitivos, facilitando a triagem de processos e ajudando a identificar ações que possuem jurisprudência consolidada. Essa ferramenta contribui para a redução de atrasos na tramitação de processos e para a uniformização das decisões.
- Hórus (TRT-2): Implementado pelo TRT da 2ª Região (São Paulo), o Hórus utiliza IA para identificar processos que podem ser arquivados automaticamente, com base em critérios predefinidos, como ausência de movimentação por longos períodos. Isso permite liberar servidores para atividades mais estratégicas.
- Athena (TRT-5): No TRT da Bahia, o Athena é uma ferramenta que analisa petições iniciais e auxilia na triagem de processos, sugerindo classificações e identificando temas principais. A ferramenta tem como objetivo agilizar o trabalho dos servidores e reduzir erros manuais.
- SINAPSE (CNJ): Embora seja voltado para todo o Poder Judiciário, o SINAPSE, desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça, tem sido utilizado em diversos TRTs para sugerir minutas de decisões e identificar jurisprudências relevantes. Essa ferramenta é especialmente útil em processos repetitivos, onde a padronização das decisões é fundamental.
Os resultados das iniciativas de IA nos tribunais trabalhistas têm sido promissores em diversos aspectos:
- Redução de Tempo: A automação de tarefas repetitivas, como a classificação de processos e a triagem de recursos, tem reduzido significativamente o tempo de tramitação. No caso do sistema Victor, por exemplo, o TST relatou uma diminuição considerável no tempo necessário para identificar recursos repetitivos.
- Diminuição do Acúmulo de Processos: A IA tem ajudado a desafogar os tribunais, permitindo maior celeridade no andamento dos casos. Ferramentas como o Hórus e o Athena têm contribuído para a resolução mais rápida de processos pendentes, melhorando a eficiência administrativa.
- Padronização de Decisões: Sistemas como o SINAPSE ajudam a uniformizar decisões, reduzindo discrepâncias em casos semelhantes e promovendo maior segurança jurídica.
- Apoio aos Magistrados e Servidores: Ao automatizar tarefas mecânicas, a IA libera os servidores para atividades mais complexas, como a análise detalhada de processos mais sensíveis.
Apesar dos avanços, o uso de IA nos julgamentos trabalhistas enfrenta desafios importantes:
- Preconceitos Algorítmicos: Um dos principais riscos associados ao uso de IA é o viés algorítmico. Sistemas de IA podem reproduzir preconceitos presentes nos dados utilizados para treiná-los, o que pode levar a decisões injustas. Por exemplo, há o receio de que a IA perpetue discriminações de gênero ou raça em casos trabalhistas.
- Falta de Transparência: A “caixa-preta” dos algoritmos, isto é, a dificuldade em entender como as decisões são tomadas pela IA, é uma preocupação recorrente. Isso pode gerar desconfiança por parte das partes envolvidas no processo e até mesmo dos magistrados.
- Dependência Excessiva da Tecnologia: Há um temor de que o uso excessivo de IA possa levar à desumanização das decisões judiciais, especialmente em casos que exigem sensibilidade e análise contextual, como assédio moral ou demissões discriminatórias.
- Capacitação de Servidores: A implementação de ferramentas de IA exige treinamento adequado para servidores e magistrados, o que nem sempre é fácil, dadas as limitações orçamentárias e a resistência de alguns profissionais às mudanças tecnológicas.
- Segurança de Dados: O uso de IA exige o processamento de grandes volumes de dados sensíveis. Garantir a proteção dessas informações é um desafio, especialmente diante de ataques cibernéticos.
Especialistas têm opiniões divididas sobre o uso da IA no Judiciário trabalhista. Por um lado, muitos veem a tecnologia como uma ferramenta indispensável para lidar com o grande volume de processos e garantir maior eficiência. Segundo o jurista e professor Fábio Ulhoa Coelho, “a IA pode ser uma aliada estratégica na redução do tempo de tramitação dos processos, desde que utilizada com critérios éticos e transparentes”.
Por outro lado, alguns especialistas alertam para os riscos da automação excessiva. Para a pesquisadora Fernanda Campagnucci, diretora da InternetLab, “o uso de IA no Judiciário deve ser acompanhado por mecanismos robustos de auditoria e controle, para evitar que decisões importantes sejam delegadas inteiramente a máquinas”.
Além disso, há consenso de que a IA deve ser vista como uma ferramenta complementar e não como um substituto para a atuação humana. A juíza do trabalho Luciana Conforti, presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), afirma que “o papel do magistrado continua sendo insubstituível, especialmente em casos que demandam uma análise mais sensível e contextualizada”.
Com efeito, o uso de IA no julgamento de processos trabalhistas no Brasil ainda está em seus estágios iniciais, mas as tendências apontam para um crescimento contínuo:
- Aprimoramento de Ferramentas Existentes: Sistemas como o Victor e o SINAPSE devem se tornar cada vez mais sofisticados, incorporando tecnologias de aprendizado profundo para análises mais precisas.
- Integração com Big Data: A IA poderá ser usada para identificar tendências em litígios trabalhistas, ajudando a formular políticas públicas e prevenir conflitos.
- Desenvolvimento de Normas Éticas: O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outros órgãos devem criar diretrizes específicas para regulamentar o uso de IA no Judiciário, garantindo maior transparência e segurança.
- Maior Participação dos Usuários: Ferramentas mais acessíveis poderão ser desenvolvidas para que trabalhadores e empregadores acompanhem seus processos de forma mais efetiva, aumentando a transparência.
Logo, o uso da inteligência artificial no julgamento de processos trabalhistas no Brasil apresenta grande potencial para modernizar o Judiciário e atender à crescente demanda por eficiência e celeridade. No entanto, o sucesso de sua aplicação dependerá de garantias éticas, combate a preconceitos algorítmicos, transparência e manutenção do papel humano nas decisões judiciais. O futuro promete uma maior integração tecnológica, mas sempre com o cuidado de preservar os princípios fundamentais da Justiça. Diante deste cenário, caberá cada vez mais ao advogado a adoção de medidas que vão além da simples tramitação processual, lançando mão de recursos como despachos de memoriais e sustentações orais nos Tribunais, a fim de demonstrar as particularidades de cada caso na tentativa de obter a decisão mais justa e coerente com a lei e os precedentes aplicáveis.

Especialista em direito do trabalho pela Escola Paulista de Direito – EPD. Especialista em direito desportivo pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – SP. Cursou direito do trabalho reformado na Fundação Getúlio Vargas – FGV. Bacharel em direito pela Universidade São Francisco – USF. Professor e palestrante de direito do trabalho.