Sempre há uma bastante confusão quando uma organização não governamental opera qualquer projeto de foco mercantil – afinal, uma instituição sem fins lucrativos pode vender produtos e serviços?
A resposta é simples – claro que sim! A comercialização de produtos e serviços gera receitas que as organizações não governamentais direcionam para suas atividades e objetivos institucionais, esteja ou não a ação mercantil relacionada com a atividade foco da organização.
Para os puristas da filantropia ou para quem conhece pouco a realidade do terceiro setor, sempre esclareço a diferença entre lucro e superávit – ONGs precisam gerar superávit operacional para ampliar sua capacidade de atendimento – o excedente financeiro, porém, não é distribuído na forma de lucro entre associados – ele permanece na organização. Desta forma, a prestação de serviços e comercialização de produtos constitui importante ação geradora de recursos para as ONGs.
Já apresentamos nesta coluna diversas ideias e projetos correntes como bons exemplos: https://jornalvisaodenegocios.com.br/o-caminho-da-cooperacao/ , https://jornalvisaodenegocios.com.br/quanto-vale-um-bom-projeto/ , https://jornalvisaodenegocios.com.br/onde-esta-o-dinheiro/ , https://jornalvisaodenegocios.com.br/os-grandes-desafios-do-terceiro-setor/
Podemos pontuar aqui o exemplo da saúde, onde muitas prestigiadas instituições do país estão constituídas como instituições filantrópicas sem fins lucrativos (muitas mantidas por ordens religiosas). Este modelo facilita processos de captação de recurso e garante acesso a benefícios específicos de imunidade tributária.
A Lei Complementar 187/2021 acolhe especificamente as questões de imunidade tributária e CEBAS – Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social; as Instituições de saúde, educação ou assistência social que cumpram determinados requisitos estão imunes da cobrança de impostos nas três esferas de governo – o impacto na operação é significativo –como exemplo, o CEBAS assegura às organizações a isenção de cota patronal na folha de pagamento (muito necessário em operação de mão de obra intensiva como hospitais e escolas), mas as imunidades também se estendem a PIS, IPTU, IR, ISS, IPVA e outros tributos.

Com custos operacionais mais reduzidos, as OSCs podem praticar preços competitivos na oferta de produtos e serviços; não se trata de sucatear qualidade ou praticar “dumping filantrópico”, mas garantir a exequibilidade dos projetos mercantis. Clientes destes serviços e produtos pagam preços de mercado e apoiam indiretamente uma causa social-ambiental-cultural.
Um ponto importante é a ONG não perder de vista que a atividade mercantil é contribuinte da causa social e NÃO a sua razão de ser… o foco de atuação de uma Instituição É sua verdadeira razão de existir, prevista em estatuto e praticada no dia a dia das suas atividades. As organizações que priorizam as ações comerciais em detrimento da causa que atendem podem desvirtuar a condição da imunidade – na operação do CEBAS já se avalia a preponderância das atividades (e receitas) das organizações, para que não se tornem empresas mascaradas de filantropia.
Para as ONGs que possuem expertise técnica e operacional é bastante relevante operar a comercialização de produtos e serviços: áreas como recuperação florestal, qualificação profissional, habitação, gastronomia, educação e saúde trazem bons exemplos de operação virtuosa de hospitais, universidades, padarias, viveiros florestais, cozinhas comunitárias, fabricação de produtos reciclados, sinérgicos com as atividades gratuitas e de interesse público que fomentam.
Obviamente que a operação de “negócios sociais” demanda uma outra abordagem de gestão: falamos de empreender, correr riscos, possuir expertise em administração de empresas, implantar sistemas de controle e acompanhamento – a ONG deve se organizar como uma empresa, para não sucumbir na busca de resultados e impactos da atividade. Para ter uma ideia, o bazar de algumas grandes organizações filantrópicas pode render receitas acima de 5 milhões ao ano. Conheço organizações com frotas de dezenas caminhões só para retirada de doações…
Tudo que falamos representa também uma interessante oportunidade para empresas estabelecerem parceria com ONGs – em vez de aportar recursos diretamente num projeto social, que tal investir numa unidade produtiva, gerida pela organização? Talvez a própria empresa patrocinadora possa ser cliente destes produtos e serviços… atividades-meio como algumas funções de RH, responsabilidade socioambiental, capacitação, produção de brindes e apoio a eventos, gestão de resíduos, cozinha industrial, enfim, atividades internalizadas ou já terceirizadas, que poderiam estar alocadas dentro de uma ONG parceira – as empresas fomentadoras deste modelo teriam ao mesmo tempo benefícios comerciais e ganhos de imagem institucional, contribuindo para sustentação de projetos socioambientais no seu entorno de atuação. Vale pensar!!!

Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.