Há algumas semanas, solicitei numa dinâmica de grupo um brainstorm sobre a palavra VELHICE, e o resultado foi bem previsível – coisas como sabedoria, sensatez, experiência povoaram o quadro, mas o que chamou a atenção é o que não estava lá. Na discussão que se seguiu ficou clara a dificuldade em expressarmos o lado B do envelhecimento – a perda da vitalidade, a doença, a limitação física e mental, o esquecimento, o preconceito.
Como já conversamos anteriormente em nosso artigo “O último quarto”, envelhecer pode significar coisas diferentes para cada um e a forma como resolvemos viver nosso crepúsculo neste plano. Mas embora seja um desafio existencial individual, como podemos nos apoiar coletivamente neste desafio, já que todos vamos mesmo pagar pedágio a Caronte?
Falamos de uma organização da sociedade para lidar com a questão do envelhecimento e da terceira idade. Falamos em uma mudança cultural sobre o que pensamos sobre a velhice, os preconceitos individuais e sociais que praticamos e a sua desconstrução potencial e necessária, num momento oportuno em que a curva demográfica nos coloca na rota de uma sociedade majoritariamente 50+ nos próximos anos.
Como sociedade, estamos prontos para envelhecer? Nossas cidades são preparadas para inclusão real dos idosos? Profissionais e estruturas públicas de saúde, educação, urbanismo, mobilidade, segurança alimentar, ação social, cultura, esporte, turismo, desenvolvimento econômico, cidadania e o que vier mais, estão fazendo política pública integrada para a população idosa, cumprindo com as diretrizes do estatuto do Idoso e de nossa Constituição Federal? Infelizmente fazemos muito pouco, apesar dos idosos já representarem na média cerca de 25% da população…
No município de Atibaia, onde já trabalhamos há alguns anos com políticas públicas para a terceira idade, acreditamos atingir apenas 3% da população 60+ com programas públicos de ação social, e temos muito pouca informação estratégica sobre este importante segmento da sociedade. Muitos destes idosos estão na ativa, como funcionários, prestadores de serviços e empresários; muitos são arrimo de família, segurando sustento de duas ou três gerações. O que esse povo pensa, consome, qual música escutam, que crenças e valores comungam? Qual o seu peso e influência nas decisões sociais, econômicas e políticas da cidade? Qual percentual participa de fóruns e coletivos? Quantos não se acreditam mais úteis, e se afogam em doenças e angústias? Quantos são reféns de suas próprias famílias, sofrem violência física e econômica? Quantos estão em processos diversos de degeneração cognitiva? Temos voluntários e doadores nesse grupo de idosos e idosas? E empreendedores querendo ganhar dinheiro com uma velha boa ideia?
Bom exemplo vem da pequena Veranópolis (RS), que apresenta a maior longevidade do Brasil, com diversos cidadãos centenários; uma terra produtora de vinho e maçãs (pode ser isso!!), vem construindo política pública consistente, primeiro ao admitir que seus cidadãos da terceira idade são um patrimônio público: a partir do conceito que a cidade é um excelente lugar para envelhecer com qualidade de vida, Veranópolis se torna um destino turístico para pesquisadores e idosos viajantes. A cidade cuida que todas secretarias municipais tenham compromisso e investimentos para o segmento, e encontramos desde calçadas e semáforos adaptados a diversas atividades culturais e esportivas adequadas e motivadoras para seus cidadãos sênior usufruírem com igualdade a própria cidade!
Se considerarmos os investimentos feitos pela maioria dos municípios de nossa região em políticas públicas que privilegiem a qualidade de vida na fase de envelhecimento e terceira idade, vamos entender o significado da palavra “migalhas” – munícipes idosos somente são relevantes para governos pelo custo que representam aos serviços de saúde e previdência. Mas está longe de ser uma verdade: o que falta são estímulos e vontade social e política de vencer preconceitos, para que os idosos encontrem seus espaços de participação.
Enfim, um desafio de mudança de cultura de como olhamos para a terceira idade e de como a própria comunidade 60+ se enxerga, uma transformação que deve discutir garantia de direitos legalmente estabelecidos e a forma como podemos exercê-los e cobrar da classe política (e da sociedade), seu contributo para a materialização de ações e projetos voltados à valorização e empoderamento da terceira idade, cidadãos e cidadãs com sabedoria e ainda muito tesão para melhorar nossa sociedade. Quer apostar? Se senta… e observa!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Artigo muito cirúrgico na apreciação da idade que ainda não temos uma ideia de quem realmente esta vivenciando de forma adequada , muita diversidade de vivências não importando a classe social , ainda ha muito que analisar e executar e você Gian esta na vanguarda destas analises, ,parabéns.
Querida Eliana, batalhadora da terceira idade, sempre bom ter gente como você ao nosso lado!!
abs