Os dilemas da geração Z!
A geração da gente, não teve muita chance, de se afirmar, de arrasar, de ser feliz,
Sem nada pela frente, pintou aquele lance, de se mudar, de se mandar, deste país
E aí você partiu pro Canadá, e eu fiquei no já-vou-já, mas quando eu tava me arrumando
Pra ir…, bati meus olhos no luar, a lua foi bater no mar, e eu fui que fui ficando…
(Não vou sair – Celso Viáfora)
Recentemente foi relatado pela OIT (Organização Mundial do Trabalho, que a Geração Z enfrenta o estigma que marcou a geração dos milennials – 289 milhões de jovens estão no modo NEET, ou em português, o nem-nem (nem trabalha, nem estuda). Antes julgar a classe dos nascidos nos anos 2000, quero fazer uma pergunta bem simples e ao mesmo tempo muito profunda: trabalhar vale a pena?
Talvez a resposta se conecte ao lugar de fala – jovens de zona rural paulista, com baixa qualificação e vivendo em cidades de baixo desenvolvimento, possuem realidade distintas da geração de classe média de Campinas ou São Paulo, por exemplo. Em comum, estes jovens vivem seus dilemas em relação ao futuro, onde por razões diferentes, a esperança ou perspectiva de uma vida melhor que a de seus genitores é cada vez mais difusa e distante. Um mercado de trabalho exigente, afunilado, com remuneração cada vez mais achatada e mercados voláteis em permanente disrupção…
Na outra mão, um distópico apelo de consumo de imagem, a falsa ilusão que ficar rico é coisa simples e ao alcance de todos. Sem compreensão, sem esperança, sem caminho, a geração Z, que nasceu na banda larga, pode ser engolida pelo vórtice da inovação ao invés de ser protagonista de seu tempo, e isso antes mesmo de ganhar a maturidade.
Como diz Billy Blanco – “maior o coqueiro, maior é o tombo do côco…” – sofrem mais os jovens de centros urbanos, expostos desde cedo a centenas de possibilidades de estudo e trabalho, mas num ambiente mais competitivo e certamente mais custoso. Metade da população brasileira vive hoje na classe C de consumo (110 milhões), com renda familiar média até 13 mil reais. Um casal jovem sem filhos, vivendo em uma cidade de mais de 200 mil habitantes, precisaria de uma renda de 8 a 10 mil para poder se orgulhar estar na classe C – falo de custos básicos de moradia, alimentação, saúde, deslocamento e lazer mínimo. Se contar com custeio de estudo, filhos, automóvel, o valor quase dobra. Na real – quantos empregos de 5 mil reais ou mais estão disponíveis para jovens de 20, 22 anos? O jovem casal do exemplo acima precisará de rede de apoio, vivendo com suas famílias até “engrenar” seu próprio sustento. A esperança que sustenta o mito da classe média se esvai – para jovens de famílias emergentes, o pavor de ser pobre pesa mais que os sonhos de prosperidade, e aquela vibe de ter um mega salário e se aposentar antes dos 30 anos é um conto de Grimm.
Neste cenário, jovens são instados a investir em sua própria educação/capacitação, para melhorar sua competitividade, num cenário onde o conhecimento se renova cada vez mais rápido, principalmente em ciência e tecnologia. Some-se a isso uma escola com currículos obsoletos e desalinhada com o mercado de trabalho. Vale a pena? Não por acaso temos observado a piora da saúde mental de jovens e adolescentes, presos entre cobranças sociais, sem as ferramentas, recursos ou o mapa para enfrentarem suas jornadas.
Para não ficarmos na completa desesperança, alguns contrapontos:
- Estudo e qualificação profissional são mais acessíveis que em outros tempos, com milhares de opções presenciais e on line, muitas gratuitas, ou que podem ser acessadas com programas de crédito educativo. E para quem possui perfil para ser autodidata, não existe conhecimento ou informação fora da internet, ou seja, basta tempo, desejo e persistência para dominar qualquer campo de conhecimento, principalmente em softskills, habilidades básicas como falar em público, liderar grupos, trabalhar em equipe, saber planejar, montar um orçamento, mediar conflitos, solucionar problemas, gerir o próprio tempo, vender, enfim, coisas que nenhuma escola ensina (mas deveria)!
- Num mundo sem emprego, empreender passa a ser um caminho natural, ainda que demanda perfil que não vamos encontrar na maioria das pessoas – nossa cultura latina cristã nos condiciona à culpa e à dependência, e nem sempre para a autonomia e liberdade. Empreender demanda trabalhar desejo e realização, algo característico da geração Z, ainda que materializado no sonho difuso de ser influencer ou montar start ups “unicórnios” (outra fábula…). No universo do empreendedorismo somos movidos pela paixão e curiosidade de casar vocação e oportunidades, superando nossos limites – a “segurança” para o empreendedor(a) é assumir riscos calculados conforme o tamanho do projeto, diverso da cultura de emprego onde segurança é ter nenhum risco, como se emprego hoje fosse algo perene…
- Posso dizer sem sombra de dúvida, que nunca desaparecerá o mercado das profissões “artesanais”, que demandam habilidades de criar ou fazer – são ofícios como a serralheria, culinária, marcenaria, pintura, elétrica-eletrônica, todo segmento de beleza, hidráulica, cutelaria, sapataria, construção, e centenas mais – profissões geralmente esnobadas e absolutamente necessárias no dia a dia (já tentou desentupir um vaso sanitário?). Qualquer ofício citado também demandará capacitação, habilidades de execução e autogestão, bem como atualização permanente de novos produtos e processos, mas trazem muito mais segurança como geradores de renda, que um emprego fixo em mercados prestes a desaparecer.
O que ainda não está inventado é como pagar nossas contas no mundo do ócio criativo (me perdoe o De Masi). A geração Z carrega o paradoxo de viver de acordo com as próprias convicções e valores, numa idade em que raramente já se tenha compreendido como a vida funciona! Talvez aí resida a força dessa geração – a crença na oportunidade de protagonizar grandes transformações, e ainda contar com tempo pela frente para redesenhar o que for necessário. Mas as horas do prazer voam ligeiras, Mestre Bocage, e se o tempo passar na janela, esta geração será a nem-nem-nem – nem estudou, nem trabalhou e… nem empreendeu.
Microconto bônus: “O trabalho”
“Enobrece, mas cansa…”
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Excelente posicionamento! São muitas as emergências, as cobranças, os caminhos e os cenários.
Muitas transformações acontecendo ao mesmo tempo, é necessário termos mais espaços para conversas e somas de ideias para que os Gen Z’s possam achar um caminho para se desenvolverem.
Um excelente tradução!
…”A geração Z carrega o paradoxo de viver de acordo com as próprias convicções e valores, numa idade em que raramente já se tenha compreendido como a vida funciona!”….