Agora eu sei, que o amor que você prometeu
Não era igual ao que você me deu
Era mentira o que você jurou… (“Falsa Consideração”, por Marquinhos Satã)
É inegável o potencial das mídias sociais para gerar visibilidade e negócios – influencers impõe conceitos, vendem produtos e induzem comportamentos em seus milhões de seguidores. Personagens do mundo esportivo, empresarial, artistas e políticos se valem das redes sociais para catapultar seus status de “celebridades” já constituídos, enquanto milhares de anônimos encontram seu lugar ao sol com as mesmas ferramentas.
O que neste universo é real ou apenas uma ficção bem embalada? Ao criarmos nossa própria mídia, nos tornamos o objeto E o sujeito da informação, e ainda somos seus editores e divulgadores; esta “apropriação” da cadeia midiática levanta questões sobre responsabilidade ética, moral e legal – influencers podem ajudar ou prejudicar pessoas, sem que o arcabouço jurídico consiga dar conta de prevenir ou coibir comportamentos criminosos nas redes.

A classe política utiliza massivamente as mídias sociais para construção e promoção da persona pública – no Brasil os vídeos do “prefeito Tik Tok”, mandatário de uma grande cidade do interior paulista, se tornaram virais a ponto de atingir crianças por todo o Brasil, acreditando ser aquele município a “melhor cidade do mundo” (vale lembrar que o Tik Tok é consumido por milhões de crianças e adolescentes…). Mas a narrativa não é a realidade. A versão, por melhor que seja, não supera o fato, mas pode induzir crenças dissociadas da realidade. A conferir: a cidade em questão é uma pujante pequena metrópole, com todos os problemas sociais, ambientais, estruturais, econômicos que se possa imaginar, longe de ser o idílico paraíso preconizado pelo edílico autor. Mais ainda, o perfeito prefeito da narrativa autoconstruída está envolvido em escândalos de corrupção e improbidade – os milhões de seguidores não garantem imunidade contra o mundo real (ou Ministério Público).
Observo essa febre de Instagram e X entre vereadores, prefeitos e agentes políticos, a ponto de pautarem suas agendas de trabalho em função do potencial de geração de notícia. Costumo dizer que o marketing não resolve o problema de um mau produto – em algum momento não conseguiremos mais enganar o consumidor (ou no caso o eleitor)… o risco dos políticos instagramáveis é trocar a lente, focando mais a visibilidade pessoal em detrimento de seu papel legislativo ou executivo. O que o cidadão espera ao final, é que seus eleitos resolvam os problemas da cidade! Sem isso, não há facebook que garanta reeleição!

Vejo ainda como um risco a sobreposição das narrativas pessoal e pública – a promoção pessoal de agente político tem restrições éticas e legais – o direito de expressão pode passar despercebido quando um anônimo se manifesta, mas quem ocupa cargo público muitas vezes aumenta a própria vidraça ao se promover em demasia ou falar o que não deve (nosso ex-presidente que o diga). Mesmo atos aparentemente “inocentes” como a recente postagem de uma foto, feita por zoeira por um jovem centroavante, viralizou como linguagem homofóbica e rendeu-lhe um processo no STJD. A visibilidade carrega responsabilidade.
O que ocorre no universo dos seguidores é uma identificação com a personagem e sua causa, reforçada por uma bem construída mensagem midiática. Mas na vida real, amamos ou odiamos conforme os contextos de ilusão-desilusão; como eu disse, não há narrativa tão perfeita que gere imunidade, e não se pode manter artificialmente um “sistema vivo inteligente”: redes são orgânicas e tem vida própria. Em algum momento, o algoritmo falha, o seguidor questiona, a realidade quebra as esperanças, a bolha estoura e caímos das nuvens em que vivemos… lovers viram haters, e na maioria das vezes fica impossível controlar o discurso.
Como consumidores de mídias digitais, nós criamos nosso próprio Big Brother, expostos ativa e passivamente ao tsunami de informação, com risco permanente de afogamento! Nesse oceano podem ocorrer motins, como a recente onda de violência vista no Nepal, perpetrada por jovens insatisfeitos com as condições sociais e privilégios da classe política local, fartamente divulgados na internet. O irônico gatilho para as manifestações foi… a proibição de mídias sociais! O saldo? Centenas de mortos e feridos, incluído o trágico assassinato de Jhalanath Khanal, esposa de um ex-premiê queimada viva em seu palácio (qualquer semelhança com a revolução francesa é pura repetição da história!).
Tenho quase certeza que ela tinha Instagram…

Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Eclético Musical.

