Pacote emergencial tenta tapar rombo de R$ 30 bilhões com alta em tributos sobre investimentos, apostas e fintechs. Especialistas alertam para efeitos negativos no crédito e no crescimento

A decisão do governo federal de recuar parcialmente no aumento do IOF não encerrou a crise fiscal. Pelo contrário, a mudança foi acompanhada de um pacote de medidas que aumentam a carga tributária sobre investimentos, apostas online e fintechs, além do corte de renúncias fiscais. A reação de analistas e do setor produtivo aponta para um cenário de insegurança econômica e críticas à falta de planejamento estratégico.

Recuo no IOF, mas crédito ainda impactado

A proposta inicial previa arrecadar R$ 19 bilhões com o aumento do IOF, mas a pressão do Congresso e do setor financeiro levou o governo a reduzir a alíquota em 80% e eliminar a parte fixa da cobrança. A expectativa agora é de arrecadar entre R$ 6 e 7 bilhões.

Apesar da redução, o impacto sobre o crédito preocupa. A Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (ACREFI) já alertou que o novo modelo pode encarecer operações e travar a oferta de crédito.

“A conta está sendo jogada para quem empreende, para quem toma crédito, para quem investe. Isso desestimula o crescimento econômico e pode gerar um efeito perverso: a arrecadação cai justamente por falta de atividade”, afirma o tributarista André Charone.

Tributação maior sobre apostas e fintechs

Com a arrecadação do IOF reduzida, o governo ampliou sua mira fiscal. A tributação sobre apostas online, por exemplo, passará de 12% para 18%, afetando um dos setores que mais cresceu nos últimos anos.

Fintechs como Nubank e C6 também serão impactadas. Elas passarão a ser tributadas pela mesma alíquota dos bancos tradicionais na CSLL, que pode chegar a 20%.

“Em vez de discutir um plano tributário justo e moderno para o setor digital, o governo prefere igualar pela alíquota, ignorando diferenças de estrutura e função. É uma visão simplista e arrecadatória, que pode sufocar a inovação”, critica Charone.

Mudanças em LCI, LCA e JCP preocupam o mercado

A proposta de taxar LCI e LCA — títulos usados para financiar o setor imobiliário e o agronegócio — gerou forte reação. Hoje isentas, essas aplicações são vistas como essenciais para dois pilares da economia nacional.

Além disso, o governo quer acabar com a isenção do Imposto de Renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), mecanismo importante para a distribuição de lucros pelas empresas.

“Mexer com LCI, LCA e JCP é tirar oxigênio de setores que sustentam a economia real. Estamos apostando em arrecadação imediata, ao custo de travar investimentos no médio prazo”, alerta o especialista.

Renúncias fiscais: falta de clareza gera incerteza

A redução de 10% nas renúncias fiscais, que pode gerar R$ 40 bilhões em receitas, ainda carece de definição. O governo não detalhou quais incentivos serão cortados, o que gera incerteza em setores como indústria automotiva, farmacêutica e exportações.

“Cortar renúncia faz sentido, mas precisa ser com critério técnico. Do contrário, vira mais uma gambiarra fiscal que troca uma distorção por outra”, diz Charone.

Críticas ao improviso fiscal

Para especialistas, o conjunto de medidas evidencia a ausência de um plano fiscal de longo prazo e reforça a imagem de um governo agindo no improviso.

“Estamos vendo um governo que não quer cortar despesas improdutivas, nem mexer em privilégios. Em vez disso, amplia ministérios, aumenta impostos e tenta se equilibrar em medidas pontuais”, resume o tributarista.

Entre as alternativas apontadas por especialistas, estão a revisão técnica de benefícios tributários, combate a supersalários, reforma administrativa e a reavaliação de gastos públicos com base em eficiência e impacto.

“A conta chegou, e o governo precisa decidir se vai resolver o problema ou continuar empurrando com medidas paliativas. O Brasil precisa de responsabilidade, mas também de coerência”, conclui Charone.

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