Enquanto os homens exercem seus podres poderes
Índios e padres e bichas, negros e mulheres
E adolescentes, fazem o carnaval!!!! (Caetano Veloso)

Passados mais de 100 dias de mandato de novos prefeitos e prefeitas, vai terminando o encantamento das campanhas e começa a vida real – o que produziram as prefeituras nos primeiros dias de governo? Sejam prefeitos eleitos ou reeleitos, há sempre forte expectativa de toda população por uma gestão eficiente, que resolva problemas e melhore a vida das pessoas.

É certo que nos primeiros meses de governo não se pode esperar muitas realizações, considerando que leva algum tempo até os gestores compreenderem os contextos interno e externos; mas o  comportamento dos primeiros meses pode dar pistas do estilo de liderança e estratégias do governo, a começar pelo perfil de nomeações de agentes públicos, e a disponibilidade de diálogo com a sociedade civil e setor produtivo.

Muitos novatos no cargo correm o risco de permanecer em “modo campanha” e transformar as promessas da eleição em promessas de governo, insistindo nas ações de marketing pessoal;  mas o buraco é mais embaixo – a população quer muito mais que postagens de instagram. É necessário ir a campo, abrir diálogo, conhecer os problemas e pactuar parcerias para as múltiplas necessidades do município. Trazer agendas e projetos “prontos”, sem articular com a sociedade, pode ser um tiro no pé logo nas primeiras semanas.

Prefeitos devem governar para todas as camadas da população e resolver problemas que estejam também fora do âmbito das suas promessas políticas – o pior caminho de uma prefeitura é ativar propostas e políticas públicas que somente atendam a agenda ideológica (sejam à direita ou à esquerda) da base partidária eleita. Campanha é para “os seus”, mas governo é para todos!

Outro grande erro é não praticar o diálogo, acreditando que o “poder” em si resolverá todas as questões – é a síndrome do herói/heroína, que fantasiam estar levando o “bem” à população e serão canonizados pelas suas obras. Ledo engano – em política não existem salvadores – há bons e maus governos, e posso dizer que todos os governos ruins optaram pela autossuficiência e falta de diálogo. Cidades são organismos complexos, com poucos recursos e muitos desafios – não importa o tamanho do município, é necessário muita articulação e conversa com a sociedade para gerar soluções que se aproximem do que é desejado por todos – para isso existem as audiências, conselhos municipais, orçamentos participativos e outras ferramentas e fóruns onde a voz de todos se faça ouvir – fingir surdez não costuma funcionar, pois o barulho só aumenta!

Soluções públicas não devem ser geradas sem diagnóstico – e ninguém vai fazer diagnóstico sem dialogar com quem está com a mão na massa, sejam cidadãos, instituições ou empresas. Esta capacidade de dialogar e atuar para além das narrativas ideológicas partidárias é o que eu chamo de inteligência política. Nas cidades com recursos escassos (quase todas) a oportunidade de mobilização e engajamento é o caminho para trazer ativos importantes para projetos e programas que beneficiem toda a sociedade – fazer política é conviver com o contraditório, acolher opiniões diversas e fazer o melhor com os recursos existentes, e para isso precisamos parcerias fortes com diversos segmentos da sociedade.

Para se obter governança, é necessário fazer concessões, compreender as realidades e dar preferência às ações pequenas e exequíveis, melhor que apostar em grandes projetos mirabolantes, sem viabilidade ou pertinência, acreditando que a embalagem das mídias sociais será o suficiente para sustentar índices de aprovação – as realizações não ocorrem no virtual – acontecem no território, e no fim, é isso que importa para os cidadãos.

Inteligência política é a arte da mediação, é evitar confrontos radicais que esvaziem a discussão de boas ideias e soluções consistentes, e que assegurem parcerias e participação efetiva da sociedade. Agentes políticos devem ser conciliadores, facilitadores, construtores de pontes – militância e radicalismo na gestão pública quase sempre gera rejeição. Políticas públicas construídas coletivamente tem mais possibilidade de gerar resultados e se sustentarem no tempo.

Por fim vamos lembrar que nos municípios as pessoas possuem vínculos para além da política partidária – quanto mais provinciana a cidade maior é o peso dos relacionamentos forjados na escola, no trabalho, na igreja, nas quadras de futebol, encontros de família, coral, salões de beleza, festas e baladas, uma rede orgânica e anárquica, onde ocorre a mágica da comunicação e do inevitável (e preciso) julgamento das realizações de uma administração municipal. No município, o estilingue é muito rápido, e a vidraça, enorme!

Então, caros alcaides de plantão, ativem a boa prosa, aprendam o contexto e ajustem a estratégia enquanto é tempo, pois uma das maiores verdades da política é que o crédito eleitoral só dura 6 meses – depois é só cobrança! Desafio lançado!!

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1 comentário

  1. Gianmarco nos traz uma análise precisa do momento que vivem os municípios com as novas gestões. Diálogo, interação com os setores e ajustes das propostas à difícil realidade orçamentária exigem muito além da condição política e do marketing, exigem profissionalismo de gestão. Esse artigo nos convida à reflexão e também à prática cidadã! Abraços.

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