Há uma história bastante conhecida do carpinteiro que à véspera de sua aposentadoria foi procurado pelo patrão – antes de se aposentar ele deveria construir uma última casa. O velho carpinteiro já estava muito cansado e ficou extremamente desgostoso com aquele desrespeito que o patrão lhe fazia; teve que gastar muitos meses para terminar a casa. Ele que era um profissional excelente, não se empenhou muito naquele projeto – os acabamentos ficaram imperfeitos, as esquadrias da janela tortas, o telhado tinha vazamentos, ele nem escolheu os melhores materiais, utilizando sobras de outros projetos para acelerar a obra. Quando finalmente terminou a casa, o patrão lhe disse: eu quero agradecer muito a parceria e a amizade de todos estes anos de trabalho presenteando você com esta última casa que você construiu!
Essa história me remete à reflexão sobre compromisso e comprometimento – só o comprometimento nos torna íntegros e plenos na execução de uma tarefa. O compromisso sai da boca, comprometimento do coração. Mais do que saber fazer, é querer fazer, e com isso ir até o fim, sem a mediocridade da tarefa incompleta. No trabalho o comprometimento é que vai dar consistência e perenidade nas ações que executamos – compromisso é cumprir tarefa, comprometimento é assegurar resultados.
No competitivo meio empresarial funcionários abdicam de um maior comprometimento e se tornam práticos executores de tarefas, principalmente as que podem ajudar a subir degraus na empresa. Contudo, as empresas sérias valorizam o resultado do trabalho e sabem distinguir os talentos empreendedores dos alpinistas….
No mundo onde a imagem é muito mais importante que o conteúdo, fazer pela metade é quase uma regra – a foto diz mais que muitas palavras, mas é apenas uma foto: ir até o fim é desvendar a foto, sua emoção, seu contexto e contar a história completa. Um texto bem escrito talvez nem seja lido, mas o escritor colocou ali o seu coração e pensamento, cumpriu seu papel de informar e inspirar pessoas, ou não faria sentido escrever, ou pior, escrever pela metade e dizer só o que as pessoas querem ouvir.
Nas relações pessoais também podemos falar muito sobre fazer pela metade! Muitas vezes nossas entregas estão condicionadas às entregas do outro…”serei fiel SE ela for fiel”, “amarei , SE ele me amar de verdade”, e continuamos a viver pela metade, esperando e dando pequenas recompensas que não sustentam uma relação verdadeira. O comprometimento de um casal é como a missão dos trapezistas – eles saltam sem olhar, pois sabem que o outro terá os braços abertos para lhe segurar…
Nas relações entre sócios, quando todos entendem o que tem que fazer e compreendem os riscos compartilhados, fica muito mais fácil o engajamento – sociedades se desfazem por falta deste senso de missão coletiva, que demanda grau de confiança muito elevado e forte convicção no empreendimento para que ninguém desembarque do trem antes da hora – quando alguém cai fora ao primeiro sinal de perigo é porque nunca houve comprometimento!
Tive uma estagiária que ouviu uma conversa sobre a não aprovação de um dos nossos projetos – ela pegou a bolsa e saiu sem se despedir de ninguém! Nem compromisso, nem educação, sem ética e sem honra. Aliás, funcionários comprometidos apenas com o próprio salário é ótimo exemplo de viver pela metade… criam sua própria moral, não ajudam seus colegas e nem terão valor para a organização que lhes paga o salário…
Por outro lado, se estamos dentro de uma organização que não dá nenhum valor ao nosso grau de comprometimento e integridade, é hora de mudar de turma… eu próprio sai de empregos, projetos e sociedades onde as pessoas não tinham o mesmo grau de interesse, profundidade e visão de futuro – gosto de discutir ideias e promover mudanças, e não gastar tempo em coisas mesquinhas e inúteis, como jogos de poder e manipulação.
Comprometer-se é compreender o sentido da tarefa, é entender à serviço de quê e de quem estamos, é colocar nossas habilidades e conhecimentos, superando limites e dificuldades. É também a arte de alinhar nossos interesses com os interesses dos outros e satisfazer nosso ego nunca menos com a certeza do dever cumprido. Fazer pela metade significa dar o mínimo – o aluno não deseja meio aprendizado, o paciente não quer metade da cura, ninguém quer meio orgasmo. Vale para relações pessoais, profissionais, empresas e para toda vida. Boa sorte!
Microconto bônus: A COISA
Era algo achatado no canto… na hora do doloroso agachamento, a coisa me olha com estranhamento e…me devora!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.
Amo seus textos.