Nos meus tempos de trabalho como consultor e facilitador de treinamento, tive a oportunidade de conhecer muitos profissionais de Recursos Humanos – confesso que nutri certa compaixão por estes(as) colegas que ocupam uma posição no mínimo curiosa dentro das empresas – aos olhos da diretoria, RH parece defender sempre os funcionários; aos olhos dos funcionários parece sempre defender os interesses da empresa. E ainda por cima os(as) colegas também se ressentem com as agendas de capacitações, Cipas, etc., que “atrapalham” o seu dia a dia…
Não importa se chamamos a área de “Talentos Humanos”, “Gestão de Pessoas”, “Time Alpha”, ou “Emocionadores”, siglas que variam conforme a cultura da empresa, e não amenizam o que de fato a força de trabalho é para as organizações: um recurso, por mais humanista que seja a visão da organização.
No contexto atual considero absolutamente estratégico a função de recursos humanos dentro de uma empresa, independente do ramo de atividade – em tempos de IA (que segundo Nicolellis, nem é nem inteligência e nem é artificial) especulamos atingir sistemas de trabalho auto suficientes – certamente a IA vai cobrir uma série de atividades humanas e fazer tarefas com muito mais competência, porém sem humanidade – o que pode ser uma tremenda ferramenta de trabalho, pode se constituir em uma grande dor de cabeça. No cerne destas discussões nosso RH – que tem as informações e ferramentas para avaliar pessoas e processos simultaneamente, e trabalhar melhor a inserção da Inteligência Artificial no cotidiano das empresas.
Outra reflexão importante é o tipo de profissional que devemos reter ao avançar na robotização de processos/negócios/segmentos – geralmente grandes corporações buscam pessoas que trabalham no perfil de conformidade – a IA demandará profissionais com capacidade de análise e intervenção, mais criativos e disruptivos, que se adaptam em novos ambientes ou mesmo criam ou induzem os novos contextos! Virá, portanto, o desafio de fazer coisas incomuns com pessoas comuns, o que demanda muito estímulo e lideranças de um perfil que hoje não percebo dentro das empresas. Nestes contextos colegas de RH podem atuar com eficácia, pois conhecem melhor que ninguém o ambiente organizacional e também de forma especial, a visão e missão da organização.
Dentro de nossa ONG atribuímos à profissional de RH uma dupla função: acompanhar os coordenadores de projetos em seus eventuais relacionamentos com equipes de trabalho, promovendo a avaliação de colaboradores, e também avaliar o grau de satisfação dos usuários que atendemos (que geralmente é uma função do marketing) – essa estratégia nos permite uma visão imediata da motivação e capacidades das equipes relacionadas com os impactos e resultados que produzem. Considerando que uma ONG trabalha essencialmente com cuidado, podemos mais facilmente cuidar das pessoas que cuidam de pessoas!
Vem de alguns anos a migração de perfil da área de RH cada vez mais distante do “DP” dos anos 70, e assumindo novas responsabilidades – ex. responsabilidade social, governança, saúde mental, inclusão e combate a preconceitos – o que demanda cada vez mais equipes multidisciplinares e uma visão generosa dos grandes desafios que lidam internamente, sob pena de tornarem-se despachantes de importantes processos para “cumprir” conformidades, desperdiçando oportunidades que podem impactar no business da corporação.
Independente da cultura da empresa, os tempos demandam processos dinâmicos, humanização das relações laborais, horizontalidade de valores, respeito e inclusão, compreensão dos limites na capacidade de trabalho dos colaboradores, sem perder a visão de missão e resultados. Um desafio e tanto!
Não é à toa que empresas que adotam a cultura ESG sofrem mais na implantação de aspectos de Governança, até por que as organizações refletem todas características de nossa sociedade conservadora, misógina, coalhada de preconceitos, competitiva, egocêntrica, mal qualificada e despreparada para o volume de transformações que temos experimentado e que ainda estão por vir. Realizando palestras e oficinas em empresas, observamos a grande resistência que os ambientes corporativos têm em discutir questões que estão vivas na sociedade, como igualdade de gênero, assédio, etarismo, xenofobia, e outras formas de preconceito que minam o ambiente e excluem potenciais talentos, pelo enfraquecimento de diversidade das equipes – infelizmente a meritocracia ainda não é uma realidade dentro das empresas brasileiras.
Os profissionais de recursos humanos sentem e vivem todos esses problemas, procurando fazer o melhor dentro dos seus limites, preservando interesses corporativos e trabalhistas, procurando manter seu próprio emprego e lidando muitas vezes com a frustração de não poder fazer tudo que é preciso! A oportunidade dada de enxergar o todo da organização, traz aos(às) colegas de RH essa espécie de “solidão corporativa” – assim como nas ONGs temos muita atenção com quem cuida de pessoas em vulnerabilidade, cabe um olhar mais atento das empresas ao papel, importância estratégica e cuidado com as equipes que conduzem a gestão de recursos humanos.
Cuidar de quem precisa é uma obrigação da sociedade, e reconhecer e cuidar dos cuidadores e cuidadoras, é a mais nobre e ética missão da sociedade! Nosso reconhecimento aos valorosos e valorosas profissionais de Recursos Humanos!
Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Sentido do Samba.