Outro dia reassisti a um filme muito antigo, cujo título em português é “Pássaro Azul”. A primeira vez em que tinha assistido tinha sido na infância, na Sessão da Tarde, numas férias escolares quaisquer. E rever esse filme me fez pensar no quanto às vezes a gente complica as coisas, buscando tão longe – a bytes sem fim de distância – o que está bem aqui pertinho. E isso vale para o mundo corporativo também.

Nos acostumamos nos últimos anos a focar todos os nossos esforços de construção de marca, formação de opinião pública positiva e também de vendas no digital. É quase como se ainda estivéssemos no isolamento social, restritos aos relacionamentos online – como se tudo no mundo tivesse sido definitiva – e integralmente – transportado para o mundo dos bits.

E veja bem, em nenhum momento quero negligenciar a relevância de uma boa estratégia de presença digital – ela sem dúvida é de grande importância para amplificar o alcance dos públicos atuais ou potenciais de qualquer organização. É importante para que ela possa se posicionar, para estabelecer transparência de atitudes e participação no mercado e na sociedade. Mas a minha reflexão é: será que basta o digital?

É essa conversa que quero ter com você hoje. Me parece que neste mundo cada vez mais digital e focado nas redes sociais, tem-se deixado meio de lado a importância das relações comunitárias – aquelas que englobam a interação das empresas não apenas com o ambiente online, mas também com as pessoas, com outras empresas, comércio, poder público, ONGs e instituições locais que compõem seu entorno. Quero neste texto-conversa lembrar que essas relações podem ser estratégicas e impactantes para o sucesso empresarial e para a construção de uma imagem sólida perante a comunidade.

Mas ao invés de querer patinar no lugar comum das crises de imagem – muitas vezes o único momento em que as empresas lembram da força (defensora ou destruidora) que pode ter uma comunidade local -, eu quero desta vez é tocar em outros pontos.

Então vejamos: enquanto as empresas buscam presença digital e visibilidade online, é prudente lembrar que suas atividades muitas vezes têm um impacto direto nas comunidades onde estão inseridas. Seja uma fábrica que influencia o trânsito local, um comércio que afeta a segurança da região ou uma empresa de serviços que poderia colaborar com instituições de ensino para promover a empregabilidade e o desenvolvimento de talentos (olha só que baita oportunidade! Ainda vou escrever um artigo só sobre isso), as relações comunitárias vão muito além do mundo virtual.

Pegando o gancho da sigla do momento, ESG, uma empresa realmente engajada com sua comunidade não apenas tem condições de identificar mais rapidamente os impactos negativos de suas operações, mas também vê aumentadas as oportunidades de contribuição positiva e com muito mais eficiência – para a comunidade e para si própria, para sua imagem. Isso inclui iniciativas de sustentabilidade ambiental, parcerias com órgãos de proteção e preservação ambiental, participação ativa na estruturação de políticas públicas coerentes e no desenvolvimento de programas de responsabilidade social que beneficiem diretamente a comunidade local a partir da correta identificação das suas demandas reais – e não daquelas imaginadas numa reunião fechada (muitas vezes, online) da equipe de Marketing.

Modismos à parte, ser uma empresa-cidadã ultrapassa o simples (entre muitas aspas) fato de obter selos de responsabilidade social ou fazer publicidade. Envolve, na verdade, a construção bem planejada de uma personalidade corporativa que seja percebida como positiva e engajada pela comunidade. O comportamento corporativo, o apoio às causas locais e a transparência nas relações com todos os stakeholders contribuem significativamente para uma imagem positiva e para o fortalecimento de opinião pública favorável. E, para tanto, a boa comunicação é fundamental, sem dúvida. Mas atenção: para além do dizer existe o ser. Traduzindo, não adianta apenas dizer que é, nos slogans, peças publicitárias e embalagens – e o greenwashing está por aí para não me deixar mentir (outro tema para um próximo artigo). Tem que ser de verdade, em essência, dentro da empresa e com os vizinhos.

Ao lado dos colaboradores, a comunidade na qual a empresa está inserida pode se tornar uma grande embaixadora da marca – ou sua derrocada. Tudo vai depender de como a empresa se relaciona com ela. Diquinha bônus: ser ético não é diferencial – é obrigação. Então não faça propaganda disso. Viva e dissemine isso no dia a dia porque é o certo a fazer. E sim, um bom planejamento de responsabilidade social, que inclua o envolvimento ativo nas questões locais não apenas cria conexões benéficas, mas também estabelece uma base sólida para o crescimento e o sucesso empresarial a longo prazo.

Existe uma farta literatura acerca do campo das relações públicas comunitárias que oferece muito conhecimento útil nesse processo de construção de boas práticas de relacionamento com a sociedade local. Mas para manter a conversa aqui na cozinha, vamos no simples: pratique a boa vizinhança. Conheça as pessoas e empresas do bairro, da cidade ou região onde a sua está instalada. Interesse-se verdadeiramente pelo que acontece ali. Participe dos fóruns, frequente os eventos setoriais e acadêmicos. Faça parte e dê sua contribuição para o desenvolvimento local. E acredite – você pode se surpreender com a riqueza intelectual, tecnológica e humana que podem fazer seu negócio ascender de uma maneira que você nem imaginava.

Que cada empresa encontre no seu relacionamento comunitário uma fonte de inspiração e crescimento mútuo.

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