*Por Rodrigo de Aquino

As desigualdades no mercado de trabalho no Brasil são evidentes, refletindo uma clara divisão entre os “executivos” e a “força de trabalho”, entre a ‘periferia’ e a ‘área nobre’ da vida profissional. Enquanto algumas empresas da Faria Lima e da Berrini discutem como promover o bem-estar no ambiente corporativo, muitos trabalhadores brasileiros ainda enfrentam jornadas longas e cansativas, com pouco tempo para descanso ou para cuidar de si. Esse privilégio, restrito a uma pequena elite corporativa que consegue adotar jornadas como o modelo 4×3, está distante da realidade da maioria da força de trabalho.

Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP) indicam que modelos de jornada reduzida, já em teste no Brasil e em outros países, têm mostrado resultados promissores. Esses modelos envolvem a redução da carga horária para 80% do tempo regular, mantendo 100% do salário e da produtividade. Além de melhorar a qualidade de vida dos profissionais, esses formatos provam que menos horas de trabalho não comprometem a produtividade, ao mesmo tempo em que contribuem para ganhos significativos em saúde física, energia, redução do estresse e qualidade no desempenho das tarefas.

A utopia de uma vida feita para viver e não apenas para trabalhar precisa ser cultivada.

A cultura corporativa precisa ser reconfigurada para valorizar o ser humano em sua totalidade, e não apenas como uma mão de obra. Estudos de Harvard, por exemplo, demonstram que ambientes de trabalho que priorizam relacionamentos saudáveis, descanso adequado e oportunidades de desenvolvimento pessoal são fundamentais para o desempenho e a saúde mental dos colaboradores.

Para que a jornada de quatro dias se torne uma realidade para mais pessoas, é necessário repensar a gestão do tempo de trabalho, criar políticas públicas que incentivem a adoção desses modelos e, principalmente, promover um esforço coletivo para transformar a realidade de muitos.

Sejamos realistas: se houvesse uma gestão que respeitasse, de fato, o modelo 5×2, o cenário da saúde mental dos trabalhadores seria bem diferente. Em vez de jornadas sobrecarregadas e pressões constantes, teríamos ambientes mais saudáveis, com menos estresse e mais tempo para que as pessoas cuidem de si mesmas. Relatórios do Fórum Econômico Mundial apontam que funcionários felizes são até 13% mais produtivos, trazendo benefícios diretos para as empresas: a valorização do bem-estar reflete-se em maior engajamento, retenção de talentos e uma cultura organizacional mais forte e inovadora.

O Brasil, último país a abolir o regime de escravidão, ainda carrega vestígios dessa herança abusiva nas rotinas de trabalho atuais. Parafraseando Bertrand Russell, vencedor do Nobel de Literatura em 1950: “A moralidade do sistema 6×1 é a moralidade dos escravos; o mundo moderno não precisa de escravidão, mas sim de um modelo social onde as pessoas possam florescer.”

Um estudo de Yale reforça que, quando a dignidade e a saúde mental dos trabalhadores são respeitadas, os resultados para as organizações são marcadamente positivos, com maior comprometimento e desempenho dos funcionários.

Insistir na escala 6×1 contraria a Norma Regulamentadora nº 1, que estabelece diretrizes para promover o bem-estar psicológico e a segurança dos trabalhadores, impede que o trabalhador atinja seu pleno potencial, tanto pessoal quanto profissional, aumentando os riscos de burnout, ansiedade e depressão, o que pode levar ao aumento do absenteísmo, licenças de trabalho e eventuais processos.

O mundo mudou. A realidade laboral mudou. Ambientes antiquados e jornadas sobrecarregadas não apenas sufocam a criatividade e a inovação, mas também dificultam a retenção de talentos e a construção de uma imagem competitiva no mercado – com fornecedores, parceiros, clientes, etc. O cenário atual exige, urgentemente, uma revisão da cultura das organizações, promovendo uma abordagem mais virtuosa, que privilegie o bem-estar físico, mental e emocional de todos, para que todos vivam dignamente.

A felicidade no trabalho é um fator estratégico que deve servir como um farol para promover a sustentabilidade das empresas, a longevidade das marcas e, principalmente, o bem-estar dos indivíduos. Ela nunca deve ser usada para anestesiar, iludir ou alienar. Quando as pessoas se sentem verdadeiramente respeitadas por seus empregadores, seu potencial floresce, beneficiando toda a sociedade. Criar um ambiente mais justo e equilibrado para quem trabalha reflete-se no florescimento coletivo e na construção de uma prosperidade real e duradoura para todos.

Rodrigo de Aquino é comunicólogo com mais de 20 anos de experiência em Publicidade e Live Marketing, fundador do Instituto DignaMente e especialista em bem-estar e felicidade corporativa. É facilitador do FIB (Felicidade Interna Bruta), Chief Happiness Officer e professor de pós-graduação na UniFB, onde leciona sobre ética, diversidade e responsabilidade social. Atua com consultorias, mentorias e palestras, integrando felicidade e excelência humana ao ambiente empresarial.

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