“Gente é muito bom, gente deve ser o bom
Tem de respeitar, tem de se cuidar do bom…” – “Gente”, de Caetano Veloso
O ano de 2026 será marcado, no meio empresarial, pela introdução de uma normativa que está tirando o sono de gestores e profissionais de RH – as mudanças na NR1 (Norma Regulamentadora No. 1 – Ministério do Trabalho), que passam a considerar a saúde mental do trabalhador nos protocolos de doenças ocupacionais. A diretriz é garantir que empresas sejam ambientes seguros e saudáveis, prevenindo situações que geram conflitos, estresse, ansiedade e depressão na equipe de trabalho.
O assunto se torna relevante a partir do aumento de 400% de afastamentos relacionados à saúde mental nos últimos anos (dados do INSS), integrando os riscos psicossociais às demandas de segurança no trabalho.
A grande e angustiante verdade, é que a maioria das empresas possui ambientes insalubres quando se trata de saúde mental. Não falamos apenas de cargas excessivas de trabalho ou metas inatingíveis, ecos do modelo de competição agressiva e foco na lucratividade, mas de situações que geralmente ficam “fora” do radar corporativo, como machismo ou racismo estrutural, xenofobia, falta de ética, nepotismo, assédio moral e todas violações de direitos presentes na sociedade, refletidas no microcosmo das organizações. Muitos destes fatores – ocultados pela hipocrisia corporativa – geram insatisfação e desmotivação de colaboradores, sendo recorrentes causas de demissões e afastamentos (nem sempre reportadas ou reconhecidas).
Costumo dizer que temos duas visões organizacionais – a empresa do organograma “formal”, com sua abordagem sistêmica, e a empresa orgânica, uma rede viva onde pulsa o verdadeiro clima organizacional. Para entender e enfrentar os novos desafios da NR1, precisamos conhecer e entender esta dinâmica paralela, onde a vida empresarial acontece. As interações da “Rede” são dinâmicas e anárquicas, mantendo diálogo permanente sobre o que o corpo profissional compreende como “o certo e o errado” da organização. As informações aqui não aparecem nas pesquisas de satisfação ou avaliações de desempenho – é no “chão de fábrica” que medimos o real clima organizacional.

Ao trazer a discussão sobre os riscos psicossociais na empresa, jogamos um grande holofote sobre questões geralmente vistas como “tabu” ou simplesmente como irrelevâncias. E temos o grande desafio: as organizações estão dispostas a cortar a própria carne? Teremos maturidade para discutir nossas imperfeições e fragilidades? Como questionar de forma ética o comportamento e compromisso de nossos gestores e companheiros de trabalho? Promover a qualidade de vida no trabalho é assumir a existência de situações de risco, criando protocolos para seu diagnóstico, prevenção e talvez a reeducação de todos colaboradores.
O que antes eram pequenos dramas cotidianos próprios do ambiente competitivo (preconceito, jogos de poder, bullying) que muitas vezes enterraram a motivação e desejo de crescimento profissional de homens e mulheres, agora podem ser vistos como causa de ações trabalhistas ou mesmo pedidos de indenização por danos morais na esfera cível, uma vez provada a omissão da empresa em não agir nos agentes causadores dos riscos psicossociais – uma dor de cabeça extra às áreas de RH e compliance!
A NR1 abrange todas pessoas jurídicas públicas e privadas, de qualquer porte e segmento – certamente empresas mais estruturadas já vem discutindo esta nova diretriz e terão a capacidade técnica e financeira de promover as mudanças necessárias; porém enxergo segmentos onde se evidenciam ambientes de alto risco para a saúde mental de colaboradores pela própria natureza do trabalho, como hospitais, escolas, polícias, prefeituras e ONGs – organizações que demandam uma visão mais cuidadosa e especializada nos diagnósticos e na configuração de ações preventivas e seu monitoramento.
Cabe aqui pontuar meu lugar de fala! Sou empresário, dirigente de ONG, portanto contratante, e tenho uma vivência de quase 40 anos em consultoria e treinamento no campo de marketing e desenvolvimento pessoal. Tenho muita convicção quando afirmo que a NR1 vai mexer no DNA corporativo – quem nunca se preocupou com o clima organizacional (ou quem vem fingindo que o faz) precisará encarar a verdade que, neste cenário, a maquiagem não esconde o risco do cinismo – as organizações terão que fazer gestão de pessoas de verdade, equilibrando investimentos, metodologias, considerando fatores objetivos e subjetivos na tomada de decisões.
É claro que veremos toda sorte de “especialistas” vendendo caro velhas soluções em novas embalagens – penso que para além de implantar sistemas de informação e monitoramento, é estratégico um olhar de acolhimento, abrir canais de escuta ativa e segura (Tutores? Ouvidores? Terapeutas?), para entender angústias de trabalhadores e gestores, compreendendo fragilidades e limites pessoais e organizacionais, promovendo, quem sabe, a correção de injustiças corporativas seculares. É um processo lento de transformação, mas com potencial de promover a estima dos colaboradores, ao sentirem-se ouvidos e valorizados, um caminho de humanização necessário para a construção de uma empresa saudável e competitiva.

Empreendedor social, consultor empresarial, educador e músico, pai da Mariana e cidadão de Atibaia. Possui mais de 40 anos de trajetória profissional transitada entre o meio corporativo e o terceiro setor. Atualmente é dirigente da ONG Mater Dei de Atibaia-SP e violonista do grupo Eclético Musical.

